Sanatorium - Unama
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www.nead.unama.br<br />
afinados — respondia com todo o fôlego dos pulmões, puxando as notas,<br />
cavernosas e ululantes, como se fosse preciso fazerem-nas ouvir a toda a cidade de<br />
São Bernardo. Cantaram, cantaram, cantaram; o vigário entoou outros salmos, deu a<br />
volta à essa, parando em frente a cada uma das faces, aspergindo o caixão, e<br />
rezando o Pater Noster. Outra vez, começaram os mulatos o seu cantochão; e<br />
destarte encheram talvez uma hora, alternando-se com o padre, e berrando sem<br />
tréguas e sem fadiga.<br />
— Ora, mas que absurdo costume desta gente daqui! Não acham a morte<br />
bastante lúgubre, querem torná-la mais lúgubre ainda, e além de tudo odiosa...<br />
Quem pode assistir a isso, sem um sentimento de pavor e repugnância?... —<br />
observava Manhães de Azevedo a Joãozinho Romão, que estava a seu lado.<br />
— Isto aqui é assim, por uma só razão: porque sempre foi assim... Este povo<br />
é aferrado aos seus hábitos, e não os larga nem a cacete. Eu muitas vzes, em<br />
conversas e em artigos de jornal, censureieste uso absurdo — Mas foi inútil...<br />
— É um resto de selvageria medieval ou indígena — acudiu Olívio Bivar. —<br />
Até certo ponto, é pitoresca...<br />
Vicentim de Guimarães, num acesso de neurastenia, retirou-se aterrado.<br />
A encomendação terminara; e o cortejo saía do templo, caminho do cemitério<br />
próximo.<br />
"DIES IRAE"<br />
Que crônico! Que crônico! — uivou Daniel, à porta do hotel, no círculo<br />
indignado dos criados. — Gatuno de gravata lavada!<br />
Se te pilho num canto escuro que eu cá sei! ... Feroz desse modo, por toda a<br />
manhã se expandira a cólera do Daniel e de todos os criados do <strong>Sanatorium</strong>,<br />
verberando o procedimento do fujão. E já nenhum deles se prestava a auxiliar os<br />
hóspedes, atrapalhados com a precipitação da mudança.<br />
— Lá se avenham! — bradava o português; — todos eles são a mesma<br />
canalha de gatunos crônicos! Aqui já não há criados, nem patrões!<br />
Ao anoitecer, devia ser fechado o <strong>Sanatorium</strong>. Já pelo vestíbulo, pelos salões,<br />
pelos corredores, empilhavam-se as malas, as caixas, os baús. Carregadores vindos<br />
do Hotel Martinelli e da Pensão Corrêa, onde haviam conseguido arranjar cômodos<br />
alguns dos desventurados hóspedes, vítimas da fuga de Silveira Jacques —<br />
circulavam. Uma confusão indescritível reinava. Eram três horas da tarde e ainda<br />
ninguém almoçara. Cosmópolis, muito digno, recusava-se terminantemente a<br />
consentir que se acendessem os fogões. E, corretamente abotoado num terno preto,<br />
cruzando a largas passadas a cozinha, resmungava, num francês arrevesado:<br />
— Far de coquins! Fripouille! ...<br />
Conhecia-se, agora, em todos os seus pormenores, a história da deserção do<br />
Silveira Jacques. As suas malas, arrumadas às pressas, haviam sido previamente<br />
mandadas à estação, uma noite. E na madrugada seguinte, toda a família saíra às<br />
ocultas, em ponta dos pés, com precauções de criminosos. Ninguém os vira tomar o<br />
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