Sanatorium - Unama
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www.nead.unama.br<br />
De fato, a primeira letra não fora paga. E a velha mãe de Jacques, senhora de<br />
energia varonil, andava mesmo agora todo o dia por fora, procurando conhecidos e<br />
amigos. E Autran dizia, quando ela passava a caminho do portão, embiocada na<br />
mantilha:<br />
— Lá vai a velha para a peregrinação das dentadas...<br />
O vasto plano de alargamento do edifício, de aperfeiçoamento do <strong>Sanatorium</strong>,<br />
ficara na cabeça do diretor.<br />
Nem estabelecimento eletroterápico, nem farmácia, nem instalação do local<br />
para o tratamento Kneipp.<br />
No tocante a esta última inovação, houvera apenas uma tentativa por parte do<br />
Romaguera, que, tendo lido artigos da Gazeta de Notícias a respeito dessa invenção,<br />
se resolvera a experimentá-la, a fim de ver se se libertava do seu pigarro crônico.<br />
E dera em patinhar na relva molhada, uma hora por dia, com as calças<br />
arregaçadas e os pés nus — uns grossos pés de unhas tortas e dedos prenhes de<br />
calos. As pernas cabeludas, aparecendo ao sol, fizeram o desespero da Marquesa<br />
do Tijuco e da Aquidabã.<br />
Somente as filhas desta última tomaram interesse na experiência. E iam todas<br />
as manhãs espiar as gâmbias cerdosas do Romaguera, que com as mãos às costas,<br />
de jaquetão de flanela, passeava pacientemente, pela grama orvalhada, com ar de<br />
quem se torturava para remir algum pecado. E era entre as moças um cochichar<br />
malicioso, pontuado de risinhos brejeiros...<br />
Até que chegando, D. Eufrásia Fontoura, a Aquidabã berrava desesperada:<br />
— Já daqui para fora, suas malcriadas! — e enxotava-as. E, indignada, de<br />
mãos às ancas, dizia ainda, com uivos: — Também a culpa é dos velhos burros que<br />
dão em mostrar as pernas à gente!...<br />
O resultado da experiência foi uma tremenda bronquite que se lhe aferrou ao<br />
peito, obrigando-o a abalar dia e noite o hotel com o estrondo da sua tosse estentórica.<br />
No serviço das refeições, a influência benéfica de Cosmópolis, o novo maître<br />
d'hôtel, apenas se fizera sentir durante alguns dias. Faltavam gêneros, faltavam<br />
vinhos, faltava tudo. E, quando tocava a sineta para o almoço ou para o jantar, o Dr.<br />
Lemos, sempre mordaz, costumava dizer aos companheiros de palestra:<br />
— Vamos, rapazes! Encomendem a alma a Deus, façam testamento e<br />
resignem-se; chegou a hora da tortura!<br />
João Silveira, gerente, quando não jogava roleta, cochilava por trás do balcão.<br />
E estava ele justamente cochilando, nessa manhã, quando Fabrício Autran,<br />
corrido de vergonha com o escândalo do teatro, chegou ao balcão para pagar a sua<br />
conta. Estava impressionadíssimo... Como ficar ali? Como suportar de cara<br />
impassível os remoques, os comentários, as ironias, os olhares de toda aquela<br />
gente? Não! Decididamente partiria... E tratou logo de liquidar a conta do hotel.<br />
João Silveira obriu os olhos estremunhados de sono e mal respondeu ao<br />
cumprimento de Fabrício. Passara a noite toda jogando. — Maldito 13! Não saíra<br />
nem uma vez! — Fabrício disse, rudemente, indignado contra a indiferença daquela<br />
recepção:<br />
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