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Sanatorium - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Em 1884, D. Jovita estava espantosamente gorda. O marido trouxe-lhe ao Rio<br />

de Janeiro, onde o chamavam os interesses de uma empresa, que organizara no<br />

Prata para introdução de imigrantes na América do Sul.<br />

Foram morar no Cosme Velho. A gorda senhora só se levantava da chaiselongue<br />

para a cama e da cama para a chaise-longue, onde, durante o dia recebia<br />

mestres que lhe vinham dar lições de francês e português — coisas que ela aprendia<br />

para matar o tempo, por não ter mais o que fazer. Sofria de uma lesão cardíaca<br />

incurável, adiantadíssima. Qualquer dia — vaticinavam os médicos — deixaria de<br />

repente de bater, numa síncope mortal, aquele coração alagado de romantismo e<br />

cercado de banhas espessas.<br />

D. Jovita era freguesa da Genoveva. Era esta quem lhe lavava e engomava a<br />

roupa branca — uma coleção suntuosa e esplêndida de linhos, de sedas, de rendas<br />

caríssimas, de bretanhas finas. E a imensa senhora gostava de ouvir os papagueios<br />

da velha portuguesa, que, numa língua quase incompreensível para a argentina, lhe<br />

contava os mexericos do bairro, casos fúteis, intrigas baixas de cortiço. Em 1885, a<br />

Genoveva falou a D. Jovita dos seus receios e das suas preocupações de mãe:<br />

— A sua Carmita fazia-se mulher... já lhe apareciam os seios... daí a pouco<br />

qualquer vagabundo...<br />

D. Jovita, romântica e boa, comoveu-se logo. E tomou a Carmitinha para si,<br />

para lhe fazer companhia. Vestiu-a, deu-lhe um quarto magnífico, deu-lhe mestres. A<br />

eclosão da puberdade foi rápida em Carmita; em seis meses, de um salto, a menina<br />

tinha transposto o espaço que a separava da idade do amor. Deliciou-se, vendo-se<br />

tratada, bem alimentada, dormindo bem num quarto de moça rica, bem trajada,<br />

vivendo com calma, e conforto junto daquela boa matrona. Desenvolveu-se,<br />

desbastou-se-lhe o espírito, ficou realmente bonita, transformou-se na radiante<br />

mulher que era agora no <strong>Sanatorium</strong> de São Bernardo.<br />

Leopoldo da Costa, que antes quase não parava em casa, vinha agora<br />

sempre passar muitas horas junto com a mulher, para gozar da companhia de<br />

Carmita, a quem dava presentes, livros, gulodices, jóias. Os seus quarenta e cinco<br />

anos se exaltavam com a aproximação daqueles 14 anos cálidos, fulgurantes, junto<br />

daquele corpo virgem que desabrochava agora para o amor, abrindo-se<br />

deslumbradoramente, como uma flor ao sol. É de crer que D. Jovita percebesse a<br />

corte do marido a Carmita, corte feita ali, sob os seus olhos, sem disfarce.<br />

Mas, pobre senhora! Não teve ciúmes... Por preguiça. Valia lá a pena<br />

incomodar-se por tão pouco?<br />

Também é de crer que o maduro especulador pretendesse fazer da meni-na<br />

sua amante. Mas não fez. Por quê?<br />

Não, certamente, porque acreditasse muito numa resistência bastante séria<br />

por parte daquela flor de cortiço que a vida de agora entontecia e deslumbrava...<br />

Provavelmente, o que lhe deitou água fria na fervura do sangue foi o medo do<br />

escândalo... Sim! Que a velha Genoveva seria capaz de arrasar o bairro, a cidade, o<br />

mundo, com o clamor dos seus impropérios e dos seus desatinos... Em todo o caso,<br />

é possível que a coisa se desse um belo dia, porque Leopoldo se apaixonava cada<br />

vez mais, se, em 1886, um sucesso não viesse aplainar todas as dificuldades...<br />

E foi esse sucesso que uma tarde a gordura de D. Jovita, tendo crescido<br />

hediondamente, o seu coração, como tinham vaticinado os médicos, parou numa<br />

síncope fatal, sufocado pelo peso das banhas. D. Jovita morreu, como tinha vivido,<br />

passivamente, sem um protesto só contra a morte; deu um suspiro e acabou.<br />

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