Sanatorium - Unama
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Carmita chorou muito, abraçada ao cadáver, que a Genoveva piedosamente vestia.<br />
Leopoldo da Costa consolava-a, pegando-lhe as mãos, dizendo-lhe palavras doces,<br />
animando-a, afirmando-lhe:<br />
— Não ficará só, agora que perdeu a sua protetora... Não ficará só, agora que<br />
perdeu a sua protetora... Não ficará só, console-se!<br />
Quatro meses depois, a velha Genoveva, matreira e ladina, tinha aproveitado<br />
habilmente a situação: Leopoldo da Costa e Carmita casaram. Leopoldo tratou logo<br />
de afastar a velha portuguesa, dando-lhe umas apólices. E começou para D. Carmita<br />
uma vida deliciosa: camarote no Lírico, carro às ordens, casa aberta dia e noite a<br />
muita gente, dias passados na rua do Ouvidor pelas modistas, pelos joalheiros,<br />
pelas confeitarias a gastar dinheiro, bailes, piqueniques, divertimentos de toda a<br />
espécie — uma só festa contínua a sua vida.<br />
Três anos correram durante os quais a leviandade de D. Carmita encontrou<br />
um excelente meio para se desenvolver. Em 1889, quando se proclamou a<br />
República, em plena febre de jogo de Bolsa, Leopoldo da Costa atirou-se aos<br />
negócios como um louco, fazendo e desfazendo fortunas, ganhando hoje rios de<br />
dinheiro numa só transação para gastá-los no dia seguinte numa só festa.<br />
Teve aventuras, começou a freqüentar restaurantes, bastidores e bordéis. De<br />
dia, estava todo o tempo na rua da Alfândega.<br />
E deixava-se rolar por aquela corrente de loucura, de especulação, de febre.<br />
Surgiam bancos do chão como cogumelos.<br />
Havia dias em que os jornais anunciavam a formação de dez e doze<br />
empresas novas. Com a proclamação do novo regime, um horizonte novo raiara<br />
para todo o Brasil. A nação respirava, sentindo-se forte, moça, feliz, olhando sem<br />
receio para o futuro, ganhando e gastando dinheiro como nunca. Havia sujeitos que<br />
em outubro de 1889 pediam dez tostões aos amigos para jantar e que em fevereiro<br />
de 1890 tinham coupê, palacete, e seis concubinas. Meninos de 15 anos puxavam<br />
do bolso, nas confeitarias, para pagar um refresco, cédulas de quinhentos mil réis.<br />
Então, a loucura invadiu todas as classes da sociedade. Todo o mundo<br />
jogava. Essa febre de jogo, coincidindo com o Krack da Argentina, fizera que do Rio<br />
da Prata viessem pra o Rio de Janeiro centenas de carruagens, de parelhas de<br />
animais de raça, um número ilimitado de objetos de luxo, de quadros caros, de<br />
estátuas custosas, de mobílias raras. A mania do luxo desregrado alastrou-se por<br />
toda a cidade. Leopoldo, à noite, dissipava em orgias o que ganhara de dia,<br />
entrando em casa pela madrugada. Mas D. Carmita não se queixava. Ela também,<br />
nadando em dinheiro, divertia-se à rédea solta. A sua casa regurgitava de<br />
convidados todas as noites. As festas do palacete do Cosme Velho ficaram célebres<br />
pelo seu fausto. E no meio dessa felicidade, dessa pompa, cercada de<br />
galanteadores, como ficava bem o seu tipo franzino e elegante! E com a sua<br />
boquinha, vermelha e úmida, mordia gulosamente o pomo dessa ventura, que nunca<br />
lhe passara pelos sonhos, outrora, no cortiço infecto, quando, com os olhos cheios<br />
de lágrimas e as orelhas doídas dos puxões, dormia no quarto imundo, ouvindo o<br />
repinicado canalha dos violões!...<br />
Já nesse tempo se dizia que alguns galanteadores mais felizes haviam<br />
conseguido dela alguma coisa mais que sorrisos e valsas.<br />
Tudo é possível! E Leopoldo da Costa pouco se incomodava com isso,<br />
alucinado pelo jogo e pelo prazer.<br />
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