Sanatorium - Unama
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www.nead.unama.br<br />
em cores violentas, em clarões intensos, em barras grossas de púrpura, brilhos de<br />
ametista e de topázio, franjas de prata alvíssima, realçadas por traços de azulmarinho,<br />
de azul tirante a negro.<br />
O sol agonizava numa apoteose. E era um espetáculo soberbo vê-lo descer<br />
lentamente, envolto em chamas sanguíneas, em matizes vivos e deslumbrantes, por<br />
trás das serras negras, ásperas, angulosas, que cercavam o horizonte, como<br />
muralhas de um gigantesco templo, derrocado por temeroso cataclisma.<br />
D. Ester, que havia dias, prostrada e exânime, não deixava o seu tristonho<br />
aposento de enferma, tivera nessa tarde, sentindo-se melhor, o desejo de sair a<br />
passeio, de deixar a cidade e respirar o ambiente sadio e balsâmico do campo. Sua<br />
mãe, a veneranda senhora que não a abandonava um instante, mandara chamar o<br />
médico, que, consultado nenhuma dificuldade opusera ao projeto da moça.<br />
— É até higiênico o passeio; há de fazer-lhe bem — opinara — O ar é tépido,<br />
as tardes são deliciosas. Somente, recomendo-lhe que volte cedo, antes do<br />
anoitecer...<br />
Um carro viera buscá-las, à porta do <strong>Sanatorium</strong>. D. Ester, pelo braço de sua<br />
mãe, atravessara os corredores, passo a passo; no vestíbulo, rodeara-as a solicitude<br />
de quantos ali se achavam, homens e senhoras, que a todos a infeliz moça,<br />
condenada a morrer, inspirava uma simpatia comovida e profunda, que a sua<br />
bondade angélica transformara quase em adoração. Ela vinha, mais pálida do que<br />
nunca, os olhos mais do que nunca pisados de febre e insônia; trajava um vestido<br />
singelo de lã escura, entre grená e roxo. E sobre os cabelos pretos, anelados e<br />
luzidios, uma branca mantilha caía, em dobras graciosas. Já perto da escada, o leque<br />
— um leque de plumas cinzentas — lhe caiu das mãos; Castanheira, que estava<br />
próximo, levantou-o do chão e restituiu-lho, oferecendo-lhe o braço para conduzi-la até<br />
ao carro, pois só com o auxílio de D. Malvina (chamava-se Malvina a mãe de Ester)<br />
ser-lhe-ia penoso descer os oito degraus de pedra e atravessar o parque.<br />
O carro subiu pelo morro do Bonfim, e, em frente à ermida, parou; D. Ester<br />
quis descer para andar um pouco. A ermida, muito alva, cintilava aos raios últimos<br />
do sol. Uma suavidade infinita errava no ar.<br />
E, vagarosamente, mãe e filha caminhavam em silêncio, vendo, embaixo, a<br />
seus pés, o panorama da cidade, que se desenrolava.<br />
Em torno da ermida, o morro, de vegetação tenra, convidava ao repouso e ao<br />
devaneio. O solo, em vários pontos, vertente abaixo, gretava-se, mostrando betas<br />
profundas — vestígios de minerações abandonadas, escavações feitas pelos<br />
caçadores de ouro, recentes umas, antiquíssimas outras.<br />
Perto, num plano inferior, apareciam as torres negras de São Francisco, a<br />
severa igreja, de estilo romano — relíquia veneranda de uma geração desaparecida.<br />
Mais longe, outras igrejas se destacavam... E a cidade toda se estendia à vista das<br />
duas senhoras — em anfiteatro. As casas emergiam de entre tufos verdes de<br />
vegetação. Subindo gradualmente, São Bernardo enchia um largo trecho da<br />
paisagem, com as suas construções vetustas, de paredes enegrecidas pelo tempo,<br />
tetos escuros e baixos — cidade duas vezes secular, cujas pedras guardam<br />
tradições antigas; e, ao fundo, as chácaras do arredor esplendiam, banhadas da luz<br />
do poente. Depois, era o campo, imenso e plano, cercando tudo. E na extrema do<br />
horizonte a serra, cujos cimos se tingiam de um vermelho de sangue...<br />
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