Sanatorium - Unama
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desejo de sua posse obrigava aqueles dois homens que se odiavam a essas<br />
aparências de estima e familiaridade, jungindo-os, como dois animais ferozes, à<br />
mesma canga. E Romaguera seguiu para o teatro, ao lado de Vidigal, sem ter<br />
percebido o olhar expressivo que este trocara com a moça.<br />
Apenas só, D. Carmita levantou-se, foi à sala de jantar, consultou o relógio;<br />
eram nove horas. Voltou ao salão.<br />
Completamente vazio, este. Ela regozijou-se com isso, passeou de um lado<br />
para outro, parou a contemplar as gravuras, tornou a passear, foi ao piano, abriu-o,<br />
correu-lhe a escala, com os dedos distraídos fechou-o, foi à janela, e encostou-se ao<br />
peitoril, olhando para fora. Decididamente, espe-rava alguém. Mais coradas que de<br />
costume as suas faces ardiam. Um fogo estranho de febre, de desejo, de<br />
impaciência lhe fuzilava no olhar. Ficou a olhar a noite serena, em que as estrelas<br />
coruscavam. Um cheiro forte, vivo, vindo dos jasmins e de lírios subia do jardim. E<br />
ouvia-se longe, no teatro, a orquestra que executava um tango, uma música<br />
lânguida, quebra-da, cheia de gemidos, de gozo e volúpia. Mas, de repente, D.<br />
Carmita sen-tiu que alguém acabava de entrar ao salão. Voltou-se rápida,<br />
impaciente, entre assustada e alegre. Mas, quase chorou de raiva vendo quem<br />
entrava. Era a Marquesa do Tijuco.<br />
Vagarosa, envolvida como num manto régio, na sua longa capa de seda cor<br />
de cinza, a velha senhora dirigia-se para D. Carmita, com um ar de quem vem dar<br />
pêsames... A sua face balofa estava desmaiada de tristeza.<br />
Chegou, encostou-se à janela, e disse, falando baixo e devagar:<br />
— Tão sozinha, tão triste! Oh! Compreendo bem a sua melancolia! Tão longe<br />
do seu esposo!... Fez bem em não ir ao teatro... As senhoras como nós não devem<br />
misturar-se com certa gente... Eu também estou triste... Muito triste... Chego, às<br />
vezes, a pedir a Deus que me leve desta vida!<br />
D. Carmita, mentalmente, mandava a velha ao diabo. Que maçante! Era<br />
capaz de ficar ali toda a noite, a dizer-lhe banalidades, implacavelmente!<br />
A Marquesa entrava agora pelo capítulo das confidências...<br />
— Meu Deus! — pensava D. Carmita, horrorizada. — Vai contar-me toda a<br />
sua vida!<br />
Com efeito, a velha senhora começou a dizer-lhe que só casara tarde, porque<br />
não quisera nunca entregar-se a um homem do povo... Casara tarde. Guardara todo<br />
o tesouro do seu afeto para quem fosse digno dele... E agora...<br />
Ficou um momento calada. Depois, mudando de assunto:<br />
— Quer ouvir um piano?<br />
D. Carmita resignou-se a segui-la. A Marquesa sentou-se, tossiu, inclinou<br />
para o lado a cabeça gorda, ornada, de bandós de um negro equívoco, tirou<br />
algumas notas, e disse com melancolia:<br />
— É um hino ao Saldanha...<br />
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