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Sanatorium - Unama

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www.nead.unama.br<br />

sereno e benévolo, semelhante, com as suas barbas alvas, às figuras do ano findo,<br />

que vêm nos cromos franceses, arriscava montões de fichas sem se emocionar,<br />

acolhendo, com o mesmo sorriso de ceticismo adorável os lucros e os prejuízos; o<br />

Dr. Lemos, sempre agitado e nervoso, com sarcasmozinhos perversos a adejar-lhe o<br />

canto da boca, palestrava incansável, parando apenas de falar para fazer as suas<br />

apostas e esperar com ouvido atento à voz fria do banqueiro, anunciando o número<br />

triunfante; o conselheiro Fonseca, antigo ministro de Estado, no Império, prestava<br />

toda a atenção ao que lhe dizia o Dr. Artur Amat, jornalista célebre da oposição,<br />

durante o governo do Marechal Deodoro. Fabrício Autran atirava-se à conquista do<br />

azar com o mesmo zelo que despendia a conquistar em mulheres; tão fixos e<br />

ardentes olhos pregava num semblante apetitoso e jovem, como na bolinha branca,<br />

que ia girando, aos pulos, de casa em casa, até parar, bruscamente num algarismo.<br />

O Fontoura, burro, malcriado, como de costume, armava questões por qualquer<br />

pequenina dúvida, com os parceiros ou com o pagador, resmungando coisas, num<br />

vocabulário restrito, mas escolhido, para descomposturas soezes.<br />

A um canto, Vidigal, que chegara havia pouco pela porta dos fundos, contava<br />

qualquer novidade interessante a João Silveira, o gerente do <strong>Sanatorium</strong>, irmão do<br />

Dr. Jacques; e era mister com efeito, que fosse história de grande monta, para<br />

afastá-lo assim da mesa, em que de ordinário ele se conservava, com persistência<br />

de jogador genuíno, horas e horas a fio.<br />

Outros havia ainda sentados à mesa, conversando no vão das janelas<br />

passeando de um extremo a outro da sala, e acudindo às apostas, ou a receber o<br />

dinheiro, quando a sorte os protegia. Eram três os banqueiros associados, vindos de<br />

fora com os primeiros calores e os primeiros fugitivos; o Alberto Nunes, janotinha<br />

equívoco de minúsculos bigodes torcidos a ferro, e um anel de brilhantes<br />

excentricamene enfiado numa gravatinha vermelha, de laço; o Francisco Ezequiel,<br />

baixo e obeso como um pipote, bochechas quase roxas à força de escarlates, e um<br />

pedaço de narina comido não se sabe como; e o Querubim, cognominado Melilla,<br />

espanhol, que antes se diria turco, pelo contraste da barba negra, espessa, e da<br />

cabeça, metade calva, metade à escovinha — mas que ilustrava os brasões da sua<br />

nacionalidade pelos exageros de linguagem, e pelas hiperbólicas, fabulosas façanhas<br />

de caça e guerra, com que habitualmente engazopava os tolos. O gordo Horácio, criado<br />

de Nunes, negro catita, exímio no violão e no maxixe, circulava entre os parceiros,<br />

oferecendo cerveja e conhaque, com infinitas mesuras e rapapés, e segregando de<br />

espaço a espaço aos ouvidos de algum freguês: "O senhor tem aí 5$000 que me dê? É<br />

para comprar um xale de malhas para... Oh! O senhor sabe, eu sou amado..." — Era de<br />

um cinismo portentoso o negro, e tal que ninguém tinha coragem de zangar-se com<br />

estas familiaridades intempestivas; todos entravam com o "cobre", e ele chegava, como<br />

dizia muito contente e lampeiro, a fazer 50$ e 60$ por dia, só em gorjetas.<br />

— Trinta e seis, — cantou o Alberto Nunes, com a sua entoação aflautada e<br />

sibilante. — Vinte fichas no esguicho, quarenta; dez, no maior, cem na terceira<br />

dúzia; cento e setenta e cinco cartões no pleno!<br />

Mãos lentas ou ávidas se estendiam para receber o lucro; os cento e setenta<br />

e cinco cartões pertenciam ao Barão de Raymond, que ganhava assim três contos e<br />

quinhentos.<br />

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