Sanatorium - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Por tudo isso, uma sensação de alívio geral percorreu o Oriente quando, entre os<br />
hóspedes, se divulgou a notícia de que outro maquinista vinha assumir o governo<br />
daquela máquina desequilibrada e perra... O novo proprietário, dizia-se, era um médico,<br />
moço e hábil, que projetava fazer daquele hotel um <strong>Sanatorium</strong> modelo. Comentava-se,<br />
com aplauso, o acerto dessa resolução. São Bernardo, com uma altitude de mais de mil<br />
metros, prestava-se admiravelmente ao propósito do jovem médico.<br />
E o Barão de Raymond, homem entendido em coisas de dinheiro, vaticinou<br />
logo, na palestra das oito da noite, no vestíbulo:<br />
— E é um admirável negócio! Tenha juízo esse rapaz, que fará fortuna rápida<br />
e segura...<br />
A chegada do médico, anunciada para a mesma noite, dera à pequena sala,<br />
ponto habitual de reunião dos hóspedes, uma nova animação.<br />
A noite, desenrolava-se lá fora sobre a velha cidade silenciosa, despovoada<br />
de estrelas. Do vestíbulo, via-se um trecho do jardim, a que a escadaria branca e<br />
nobre descia, formada de dez largos degraus de granito.<br />
Ao fundo, uma porta envidraçada dava acesso para o primeiro corredor do<br />
hotel — longo palidamente clareado pelo lampião de querosene. E, à esquerda,<br />
abria-se para o vestíbulo o vasto salão, iluminado a lâmpadas belgas, com o piano<br />
ao fundo, gravuras de Goupil nas paredes, em molduras de ouro, e as cadeiras<br />
inúmeras, de érable, alinhadas monotonamente.<br />
Aí, as senhoras, em grupos, passeavam: e um rumor crescia risos abafados,<br />
murmúrios de vozes, frufru de sedas, estalidos de beijos.<br />
A voz do piano, de repente, ressoou alta e grave. Era a pálida Ester, uma<br />
pobre moça histérica, já condenada pelos médicos, que tocava Beethoven. Fazia dó<br />
vê-la, às vezes, passeando à noite por aqueles corredores sem fim e sem luz. A sua<br />
face de uma brancura de cera encantava e causava pena. E naquela solidão,<br />
naquela penumbra de claustro — porque os mesmos quartos simétricos davam<br />
impressão de celas — Ester passava como uma monja triste, já pouco ligada ao<br />
mundo, do qual em breve se apartaria para sempre...<br />
Uma simpatia geral cercava, no hotel e na cidade, a triste condenada. Quase<br />
não havia dia em que uma crise histérica a não prostrasse, aos gritos em contorções<br />
terríveis — seguida de um período de superexcitação inenarrável, que só cedia com<br />
o emprego de injeções de morfina — êxtases prolongados, uma prodigiosa<br />
exacerbação da sensibilidade cutânea, cefalalgias, que avultavam ao menor rumor,<br />
todos os nervos dolorosamente esticados e torturados...<br />
No vestíbulo, a palestra ia animada. Enquanto lá dentro, ao fundo do hotel, na<br />
abafada sala em que se jogava roleta, o croupier cantando os números, recolhia as<br />
fichas perdidas, pagava as paradas, anunciando a sorte com a sua voz fanhosa e<br />
trêmula — aqui comentava-se a nova era de fartura, de ordem e de digestões felizes<br />
que, certo, vinha abrir para os hóspedes do Oriente a chegada do seu novo proprietário.<br />
O grupo era o mesmo de sempre. Havia entre outros, cercado da solicitude de<br />
todos, o Marquês do Tijuco, velho nonagenário, pequenino, trêmu-lo, com uma cabeça<br />
microscópica, coroada de falripas brancas, devoto e carinhoso, com um eterno boné<br />
de seda negra bailando ao capricho da mão inquieta — um sorriso para todos, a voz<br />
meiga, o olhar apagado e terno, uma sobrecasaca de merinó preto escorregando,<br />
cheia de dobras, pelo dorso corcovado... A Marquesa — imensa senhora rotunda, cuja<br />
grandeza de vulto contrastava singularmente com as diminutas dimensões do marido<br />
— tinha uma bela atitude de rainha destronada. As rugas da sua gorda face, que só<br />
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