Sanatorium - Unama
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— Bem, Sr. coronel, queira desculpar. Retiro-me. — E, fazendo a continência<br />
do estilo, saiu com os quatro soldados.<br />
EM ÊXTASE<br />
Nem à quermesse, nem ao baile, assistira Ester. O seu pobre corpo, quebrado<br />
pela nevrose, murchava e morria. Depois do passeio à gruta — fora essa a última vez<br />
que saíra ao sol e ao ar livre — mais frequentemente, as crises voltaram, duas e quatro<br />
por dia, terríveis. Dona Malvina, desesperada, já, sem confiança em Silveira Jacques<br />
recorrera a todos os médicos de São Bernardo. Chegavam e sacudiam logo a cabeça:<br />
quem não via que a morte já se havia apoderado daquele corpo mirrado, comido pela<br />
moléstia? Um deles, todavia, por comiseração, não saiu mais de junto da cabeceira da<br />
moça. Dona Malvina ficava assim mais tranquila: a presença de um facultativo<br />
reanimava-a, dava-lhe ainda à alma um derradeiro raio de esperança.<br />
Chamava-se Viçosa esse médico. Moço ainda, sempre espandongado, rindo<br />
muito, com um riso que mostrava uma dentadura suja, tinha um andar acapoeirado,<br />
gestos largos e francos de boêmio. Não era ignorante. Ganhava apenas para comer:<br />
boêmio incorrigível conservara a independência e a despreocupação dos seus<br />
tempos de estudante. No Rio, logo depois de formado, quase morrera tísico: o clima<br />
de São Bernardo o salvara. E para ali ficou, vendo doentes que em geral lhe não<br />
pagavam: casou, encheu-se de filhos, habituou-se à pacatez vadia daquela vida sem<br />
ideal e sem futuro. Boa alma! Os rapazes chamavam-lhe o Dr. Bórgia. Por quê? É<br />
que médico tinha a mania de oferecer jantares em casa. Sucedia, porém, que a sua<br />
boa vontade era incomparavelmente maior que o recheio da sua bolsa e que a<br />
perícia da sua cozinheira.<br />
De modo que os jantares eram abomináveis; quem aceitava um desses<br />
convites homicidas preparava-se para ficar de cama no dia seguinte, às voltas com<br />
uma gastralgia. Daí a fama de envenenador de que gozava o Dr. Viçosa, e a<br />
pavorosa alcunha com que o condecorava o Alvaro Cândido.<br />
Interessou-se muito pela pobre moça, logo a vez primeira que a viu. Foi no dia<br />
seguinte ao baile que o chamaram. A música, a vozeria, a agitação da festa tinham<br />
agravado a moléstia da histérica. Só, no seu quarto abafado, cheio de um cheiro<br />
nauseante, misto de éter e suor de agonia. Ester ouvira, pela noite longa e triste, o<br />
rumor da festa em que rolava, delirando, toda a sociedade fina de São Bernardo. Era<br />
a vida! Era o prazer! Era a alegria! Era o amor! A orquestra enchia todo o hotel de<br />
acordes vivos, de notas ardentes, de valsas... Risadas claras cantavam alto... E ela<br />
só! Morrendo! Finando-se a pouco e pouco, miseravelmente! E ao seu lado, D.<br />
Malvina, desesperada de Deus, e dos homens, já sem lágrimas, amaldiçoava aquilo,<br />
que era como uma profanação, um escárnio... Todos vivendo e gozando! E a sua<br />
pobre filha, tão nova, tãoboa, tão bela, descendo a mais e mais para a cova...<br />
De manhã, às seis horas, quando sobre as salas e os corredores<br />
desarranjados do hotel pesava um ar de tédio, de modorra, de cansaço, a infeliz<br />
moça queixou-se de um recrudescimento horrível da cefalalgia cruel que a<br />
acabrunhava periodicamente. Agora, a dor era hedionda. Parecia que lhe metiam a<br />
cabeça dentro de um capacete de aço, que lhe esmagava a pouco e pouco os<br />
ossos. Sob os lençóis, agitava-se, sacudido de um tremor contínuo, o corpo, que mal<br />
avultava na cama, tão acabado, tão comido o deixara já o sofrimento. E com as<br />
mãos escarnadas, de cadáver, transparentes e ossudas.<br />
Ester apertava a cabeça e gemia.<br />
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