Sanatorium - Unama
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— Então, diga-me: que tal está o teatro? Muita gente, hein? E todos foram;<br />
cuido que só ficamos, eu e a D. Carmita. Simpática senhora, não é comendador?<br />
Bonita, bem educada, fina de trato...<br />
— Ah! — mas sem dúvida... Conheço muito a família... — rugia o Romaguera,<br />
exasperado, frenético, prestes a soltar alguma tolice.<br />
— Ela deixou-me há pouco; disse-me que ia escrever uma carta urgente,<br />
creio eu.<br />
— Por força... Como não? Ora, essa! — Bem, Sra. Marquesa, dê-me licença...<br />
— Aonde vai, comendador? Volta àquele infecto espetáculo? O segundo ato<br />
não deve começar já, suponho... Os intervalos não são de vinte minutos? Quero<br />
tocar-lhe um trecho de meu hino e pedir sobre ele a sua opinião insuspeita...<br />
— Desculpe-me, desculpe-me. Vim à casa só buscar umas cartas, que recebi<br />
hoje do Paraná e quero mostrar a um amigo, durante o intervalo. Não posso<br />
demorar-me; aliás, com muito prazer ouviria a sua admirável composição. Outra vez,<br />
se me der a honra... Sra. Marquesa...<br />
E, rapidamente, saiu do salão. Dez segundos mais, que lá ficasse e de duas<br />
uma: ou caía fulminado por um ataque apoplético, ou perdia a cabeça, e dizia<br />
desaforos à Marquesa, e quebrava espelhos e móveis... Reparou para um lado e<br />
para outro, que ninguém o observasse; os corredores estavam desertos, quase às<br />
escuras; só, lá no fundo, brilhavam as frestas de uma porta, pequeninos riscos de<br />
luz, e percebia-se vagamente um estálido seco de fichas remexidas; a Marquesa<br />
voltara à carga, e o hino ao Saldanha continuava. Felizmente! — disse consigo<br />
Romaguera; e, em vez de dirigir-se para o seu quarto, tomou a banda oposta, onde<br />
morava a D. Carmita. Pisava cautelosamente, trêmulo de ira e de medo, como um<br />
ladrão receoso de ser descoberto. "42, 44, 46", ia contando para não se enganar de<br />
porta: "48. — É aqui". E deteve-se, indeciso a espiar; dentro, escuridão completa.<br />
Colou o ouvido à fechadura; parecia-lhe ouvir um murmúrio de vozes ciciantes,<br />
abafadas; que fazer? Passa-vam-se minutos sobre minutos; e ele estava ali, como<br />
pregado ao soalho. Que fazer? Repetia. Não havia agora de forçar a porta! Que<br />
escândalo seria!... Como certificar-se da verdade? Oh! Obstáculo terrível!<br />
Uma idéia súbita lhe acudiu. A passos largos atravessou a sala de jantar, e<br />
tomou o corredor da direita. — Quarto 56. Era o do Vidigal. Bateu a porta, de manso,<br />
depois mais forte. Não teve resposta. — Suceda o que suceder! Resolveu; e deu<br />
volta à maçaneta. Riscou um fósforo; a cama estava intata, e, sobre ela, a cartola e<br />
a bengala do elegante rapaz. Errava pelo ar um perfume ativo de Impérial Russe, de<br />
Guerlain. "Com os diabos! Ele está no hotel... E está lá! Lá!... Ou talvez na roleta...<br />
Vou ver..." Entrou na sala de jogo e procurou-o avidamente; nada. O malicioso<br />
Cavalcanti tocou-lhe no ombro:<br />
— Comendador, comendador... Você está incomodado hoje... Que é isso?<br />
Quem lhe matou seus cachorrinhos?...<br />
O Romaguera não replicava: nem talvez ouvisse. Todo o seu cérebro estava<br />
empolgado pelas garras de uma idéia fixa: "Agora é certo! É indubitável! Ele está lá..."<br />
Voltou ao quarto de D. Carmita, andando já sem precauções, exacerbado,<br />
febril, inconsciente. Ainda uma vez escutou distintamente um sussurro de conversa,<br />
risadinhas... Não se conteve; sacudiu a porta, com ímpeto; o rumor enorme,<br />
aumentado ainda pelo silêncio noturno, espalhou-se pela casa toda, através dos<br />
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