Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>de</strong> água, ou algum caracol viajando com sua bagagem às costas e<br />
sondando o caminho com sua estranha testa. . .<br />
— Anda, menina!<br />
Tantas vezes a chamavam que não havia remédio senão<br />
voltar. Vinha entretida com os movimentos <strong>de</strong> seus próprios pés.<br />
Os sapatos tinham cara <strong>de</strong> gente e olhavam para ela, com suas<br />
bochechas redondas. Quando a punham na cama, rezavam-na:<br />
"Menina, si tens quebranto,<br />
aqui to tiro,<br />
em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo."<br />
Uns disseram que seria bom usar figuinhas <strong>de</strong> azeviche.<br />
Outros opinaram que as <strong>de</strong> coral eram melhores. Tia Tota preferia<br />
um remédio <strong>de</strong> frasquinho azul, com uma tampa <strong>de</strong> vidro parecida<br />
com a cabeça do caracol, e a particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar cair uma<br />
gota <strong>de</strong> cada vez, quando colocada em certa posição. Depois <strong>de</strong><br />
quebrado, o vidro fornecia cacos muito lindos, por on<strong>de</strong> se via o<br />
dia <strong>de</strong> um modo diferente.<br />
A cada instante lhe examinavam as solas dos sapatos: não<br />
acontecesse andar com os pés molhados. Mas também com o sol<br />
tinham cuidados especiais: podia morrer <strong>de</strong> insolação. . . Se<br />
começava a escurecer, traziam-na <strong>de</strong>pressa para casa: porque há<br />
o sereno, que infiltra doenças mansamente, pela cabeça. Se faz<br />
luar gran<strong>de</strong>, fecha-se a janela, porque essa fria luz estraga a vida.<br />
"Tudo faz bem, mas só até certo ponto."<br />
Andam vidros novos por cima dos móveis.<br />
Debaixo das árvores que se cobrem <strong>de</strong> flores, que saco<strong>de</strong>m<br />
sobre ela um orvalho miúdo <strong>de</strong> flores, a menina se entretém<br />
sozinha, esperando que o tempo passe. "Quando fores gran<strong>de</strong>... —