Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
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A tesoura recomeçava: plic, plic. , . — e sacudia no ar as<br />
aparas miúdas: tchic, tchic, tchic. . . "Fique muito quietinha agora<br />
para não lhe cortar a orelha." A tesoura rangeu mais <strong>de</strong>morada, e<br />
caiu um gran<strong>de</strong> pedaço <strong>de</strong> cabelo, unido e comprimido pela água.<br />
Ele tornou a mirá-la, sempre com o mesmo sorriso — <strong>de</strong><br />
um lado e <strong>de</strong> outro, <strong>de</strong> frente e <strong>de</strong> costas. Segurando o pente e a<br />
tesoura, perguntou para o lado: "Estará bem?"<br />
Maria Maruca veio ver, encontrou as pontinhas das orelhas<br />
<strong>de</strong> fora e concluiu que estava bem.<br />
Então, ele pôs-se a acertar a franjinha. Passou o pente,<br />
passou a escova, pousou a mão — e a tesoura <strong>de</strong>slizava: plic, plic,<br />
plic. . .<br />
Retirou o pano das costas, sacudiu-o bem, tornou a<br />
estendê-lo, e disse assim: "Agora vamos raspar o pescoço." E com<br />
um pincel cheio <strong>de</strong> espuma, pintou-lhe o pescoço molemente,<br />
frescamente. A maquinazinha passava como um trem pela<br />
espuma estendida. Fez-se então uma gran<strong>de</strong> frescura. Uma<br />
nuvem <strong>de</strong> pó-<strong>de</strong>-arroz dilatou-se no ar, e uma escovinha branda<br />
passeou pelo rosto, pelo queixo, pelo pescoço da menina: "Vê como<br />
está bonitinha?" E o moço rodava a ca<strong>de</strong>ira, brincando com ela.<br />
"Você tem olhinhos <strong>de</strong> gato.. . tem olhinhos <strong>de</strong> gato.. . tem..."<br />
Maria Maruca, ao entregar-lhe o dinheiro, perguntou: "O sr.<br />
não tem um papelzinho para embrulhar os cachos?" E ele<br />
respon<strong>de</strong>u: "É verda<strong>de</strong>!" Os globos <strong>de</strong> gás eram cor-<strong>de</strong>-rosa. Num<br />
<strong>de</strong>les dormia uma gran<strong>de</strong> mosca.<br />
E voltaram pelas ruas já escurecidas, em que os lampiões<br />
palpitavam fatigados, <strong>de</strong> longe em longe.<br />
Maria Maruca dizia: "Agora vai só andar na marrafa, hein?"<br />
E ela, passando a mão pela nuca raspada, sentia-se<br />
estranha, diferente, uma outra, que era e não era ela. ..