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Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

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A menina viu reunir assim todo o cabelo cortado numa das<br />

mãos e <strong>de</strong>pois amarrá-los vagarosamente com a fita azul que tirou<br />

da prateleira. E viu-se a si mesma, <strong>de</strong> novo, no espelho, — mas<br />

uma outra, diferente da anterior, perdido aquele ar mais infantil<br />

dos cabelos esvoaçantes, on<strong>de</strong> a luz armava surpresas <strong>de</strong><br />

clarida<strong>de</strong> — mais séria agora, com os cabelos concentrados num<br />

tom mais escuro, parados, quietos, unidos, tristes.<br />

O moço colocou os cachos cortados na prateleira, e<br />

retomando a tesoura tornou a dizer falando para o espelho: "Vê,<br />

como está ficando bonitinha?" E sorria. E ela sorriu também.<br />

Sorriu e levantou, com pena, os olhos para os <strong>de</strong>le. E achou-o<br />

simples e inocente como uma criança. E achou-se cheia <strong>de</strong><br />

pensamentos como uma velhinha.<br />

E a tesoura começou a cortar, num tom saltitante: plic, plic.<br />

Um homem que saía disse: "Boa noite!" Ela, porém, não pô<strong>de</strong> ver<br />

quem era, porque estava <strong>de</strong> cabeça baixa. Por cima do pano,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os ombros até as suas mãos, rolavam pedacinhos <strong>de</strong> cabelo<br />

cortado, que caíam juntos, e <strong>de</strong>pois se separavam, dispersando-se<br />

pelo pano, pelo chão. E diziam a<strong>de</strong>us! a<strong>de</strong>us! — a<strong>de</strong>us para ela<br />

mesma, a<strong>de</strong>us uns para os outros, — ADEUS.<br />

Depois, o moço levantou-lhe o queixo, mirou-a, tornou a<br />

sorrir, tomou um frasco <strong>de</strong> metal, molhou-lhe a cabeça toda. E<br />

esfregando-lhe o cabelo, misturando-o bem entre os <strong>de</strong>dos,<br />

perguntava-lhe: "Gosta do cheirinho, hein? Não é mesmo<br />

gostoso?" E ela olhava para o espelho, pensando porém outras<br />

coisas: vagas, distantes, fora dali. E ele explicava: "Isto é água <strong>de</strong><br />

batata-doce." E com um pentinho muito estreito fazia um risco, e<br />

alisava o cabelo com a mão, e penteava esticando bem, e aparava<br />

no pano as gotas <strong>de</strong> água que caíam das pontas do cabelo. "Água<br />

<strong>de</strong> batata-doce." E havia aquele cheiro, em redor <strong>de</strong>la. . .

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