Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
corte as unhas, <strong>rev</strong>ira os olhos, e <strong>de</strong>clara: "Hoje, não, que é sexta-<br />
feira."<br />
Todas essas coisas pertencem a um mundo diferente. Mas<br />
mesmo neste mundo há coisas que só ela sabe ver e sabe contar.<br />
O trenzinho que vai passando ao longe, por exemplo: ela o<br />
acompanha com uma voz baixinha: "Tira terra, bota terra, tira<br />
terra, bota terra..." (É isso que o trem vai falando. . .) "Quer ver<br />
como ele agora vai apitar? Ó: — piuim!" — E apitava mesmo. Sem<br />
estar vendo o trem, ela sabe por on<strong>de</strong> ele passa: "Agora chegou a<br />
São Francisco Xavier. . ." "Agora, parou..." "Agora, tornou a<br />
andar..." "Agora, a moça chegou à janela. . ." "A moça disse a<strong>de</strong>us.<br />
. ." "A moça gosta do foguista." "Tira terra, bota terra... — lá vai<br />
ele. . ." "Quer ver como vai apitar <strong>de</strong> novo?" — E apitava mesmo,<br />
outra vez. Alguém mais sabia essas coisas, além <strong>de</strong> Dentinho <strong>de</strong><br />
Arroz! Ninguém. O sino, por exemplo. Os outros pensam que o<br />
sino bate. Pois não é não. O sino canta uma cantiguinha. O sino<br />
diz assim:<br />
"Quem<br />
tem,<br />
dá.<br />
Quem não tem<br />
não tem nada que dá!"<br />
Na noite estrelada, embaixo da laranjeira florida, quando os<br />
vaga-lumes caem na sombra como florezinhas <strong>de</strong> vidro, balbucia<br />
uma cantiga doce e triste:<br />
"Senhora Sant´Ana,<br />
Senhor São Joaquim,