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Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

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Sempre com um passo igual, os pés iam-se arrastando,<br />

como se não esperassem que jamais alguém os mandasse parar.<br />

Ven<strong>de</strong>r — seria uma casualida<strong>de</strong>, não uma esperança, nem um<br />

propósito. Para muito longe ia andando aquela voz. Para além dos<br />

muros. Para os confins da terra. OLHINHOS DE GATO pensava<br />

mesmo que aquilo que ia passando não <strong>de</strong>via ser gente. Era uma<br />

sombra, talvez. A Sombra que trazia o sono. Sua voz monótona —<br />

uma canção <strong>de</strong> embalo, perdida, sem <strong>de</strong>stinatário certo. . . E<br />

escutava-se o bater dos tamancos. Ninguém comprava, não. E<br />

esse último passante era o que mais impressionava. Não parecia<br />

trabalhar nem divertir-se. Parecia cumprir, somente, aquela pena<br />

<strong>de</strong> andar e <strong>de</strong> apregoar.<br />

Quanto mais subia, mais a rua se tornava interessante. Ali<br />

perto, a casa do doutor, e a <strong>de</strong> D. Sinhá.<br />

D. Sinhá tinha cachorrinhos peludos, sabiás e micos.<br />

Depois, arranjou também um papagaio, que parecia causar certa<br />

curiosida<strong>de</strong> ao da casa <strong>de</strong> OLHINHOS DE GATO. D. Sinhá vivia o<br />

dia inteiro <strong>de</strong> bata com babados na gola e nas mangas. D. Sinhá<br />

dormia a sesta na varanda, numa re<strong>de</strong> listrada. Via-se, às vezes,<br />

subir a fumaça azul do seu cachimbo. A latada <strong>de</strong> maracujá<br />

<strong>de</strong>sabrochava sobre o seu sono flores roxas e frutas amarelas. D.<br />

Sinhá balançava-se na re<strong>de</strong>. Que bom! Abanava-se com uma<br />

ventarola. Que frescura! Comia bolinhos, e tomava goles <strong>de</strong> café.<br />

Quando D. Sinhá se ria, todo o mundo interrompia o que estava<br />

fazendo. O gato abria os olhos; o passarinho virava a cabeça. D.<br />

Sinhá era tão gorda que, para subir uma escada, parava em cada<br />

<strong>de</strong>grau. Como era grossa, a perna <strong>de</strong> D. Sinhá! D. Sinhá usava<br />

almofadinhas na janela, para não machucar os cotovelos. Tinha

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