17.04.2013 Views

Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

vestido, como quem solta um brinquedo e apanha outro:<br />

assim. Assim facilmente. E não apenas as pessoas: mas também<br />

os animais. Sentiu-se cachorro, morcego, formiga, lesma. . . Viu os<br />

vultos enormes das pessoas, e o mundo monumental das árvores,<br />

das casas, das igrejas, levantando-se perto <strong>de</strong>la, subindo para o ar<br />

e as nuvens, para a lua, para o céu.. .<br />

Então, foi vegetal também. Ficou fria, <strong>de</strong> pé, com muitos<br />

braços abertos, <strong>de</strong>ixando passar os movimentos, as luzes, os sons.<br />

. . Sentiu o doce nível da altura, e o secreto convívio com a terra.<br />

Subia e <strong>de</strong>scia pelo caule, como a voz incomunicável <strong>de</strong> um morto<br />

à procura <strong>de</strong> um vivo.<br />

E fechou-se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse chão. E <strong>de</strong>itou-se inerte entre os<br />

mortos. "Ossinhos... Os ossinhos..." Fez-se ossos, apenas. "O<br />

po<strong>de</strong>r divino... O po<strong>de</strong>r divino. . . Não sei como isto ainda está<br />

vivo!" E ela estava ali sentada, sorrindo, e enterrada, e acabada,<br />

misturada com as sementes, as formigas, as conchas. "Embaixo<br />

do cajueiro. Ali foi que o avô morreu."<br />

E como todas essas vidas ainda eram consistentes e<br />

limitadas, afrouxou suas moléculas, dispensou qualquer contorno,<br />

espraiou-se na fumaça das nuvens, dissipou-se<br />

in<strong>de</strong>terminadamente pelo céu, foi tudo e nada ao mesmo tempo,<br />

sem lado <strong>de</strong> cima, sem lado <strong>de</strong> baixo, entregue ao campo que há<br />

por <strong>de</strong>trás do mundo, e por on<strong>de</strong> se rola sem nome, sem figura e<br />

sem fim. Mas chamaram lá <strong>de</strong>ntro: "OLHINHOS DE GATO!"<br />

E então lembrou-se que era a ela que chamavam assim. E<br />

tornou a conformar-se em aparecer como uma criança <strong>de</strong><br />

camisola, com um anelzinho <strong>de</strong> ouro no <strong>de</strong>do, e o cabelo cortado<br />

um pouquinho acima da orelha.<br />

— Mas já conhece as letras todas. . . — diziam perto <strong>de</strong>la.<br />

— Até o W e o Y!

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!