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Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

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paus. Conserta-se. Tornam a ir. Sempre assim.<br />

— Havia ali um pessegueiro — murmuram. Olha-se, e<br />

apenas se vêem pedras, uma roda <strong>de</strong> pedras segurando a terra em<br />

<strong>de</strong>clive.<br />

Por que tudo é tão triste? Por que é mais triste, tudo, <strong>de</strong><br />

repente? Estão passando nuvens pelo alto do céu? Não. O céu é<br />

azul, e brilha o sol.<br />

— Havia aqui uma horta. . .<br />

E agora só se encontra algum pé <strong>de</strong> couve, para o<br />

passarinho, ou um tomateiro manchado <strong>de</strong> ferragem, e amarrado<br />

nuns espeques. Gordas lagartas rastejam pelos caules. Úmidos<br />

caracóis <strong>de</strong>slizam. £ quase sem esperança que a água do regador<br />

borrifa essas pequenas coisas. . .<br />

Tudo isso lembra, por contraste, um outro tempo, <strong>de</strong> que se<br />

fala em voz baixa. As mãos do Avô andavam por ali, entre folhas e<br />

flores. As mãos do Avô andavam rente à terra, <strong>de</strong>ntro das pare<strong>de</strong>s,<br />

por cima dos muros. As mãos do Avo pousavam no corrimão da<br />

escada, enrolavam as trepa<strong>de</strong>iras nas cercas. Os pássaros comiam<br />

nessas mãos. Os cães lambiam-nas. Das mãos do Avô saíam<br />

casas, saíam árvores. As mãos do Avô andavam no ar, em toda a<br />

roda, tomando conta <strong>de</strong> tudo. Elas sabiam fazer música, também,<br />

nas cordas daquela guitarra, à sombra fresca do quintal, perto do<br />

tanque ver<strong>de</strong> on<strong>de</strong> as libélulas beijam os musgos. Recorda-se<br />

disso aquela tremura redonda da água?<br />

Os pés do Avô tinham pisado longamente aquela terra. E<br />

atrás <strong>de</strong>le, o gran<strong>de</strong> cão, silencioso, parava ou seguia,<br />

continuando o seu dono.<br />

Um dia, o corpo inteiro do Avô <strong>de</strong>ixou-se cair para ali,<br />

<strong>de</strong>baixo do imenso cajueiro, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> o vento <strong>de</strong>sprendia doces

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