Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
iguais a flores.<br />
As negrinhas da rua começavam a passar, sorri<strong>de</strong>ntes,<br />
dando "Boa-tar<strong>de</strong>" e "Boas-festas!" Tinham vestidos novos, azuis e<br />
cor-<strong>de</strong>-rosa, seus olhos resplan<strong>de</strong>ciam e as pedrinhas-d'água <strong>de</strong><br />
suas travessas, também.<br />
O afilhado do doutor mastigava figos e perguntava: "Por que<br />
é que o profeta Jeremias andava sempre chorando?" E a<br />
gargalhada <strong>de</strong> D. Sinhá saía <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da re<strong>de</strong> como um pássaro<br />
batendo as asas.<br />
"Currupaco-papaco" — o louro saboreava o açúcar da<br />
rabanada. Pelas pastinhas molhadas, via-se que os garotos da rua<br />
tinham tomado banho. E sentavam-se nas beiras dos muros, com<br />
os pés apertados nos sapatões.<br />
"O doce <strong>de</strong> laranja tem o seu preceito." "Cadê ela, xente?" O<br />
pano novo do vestido cheirava a farinha <strong>de</strong> trigo.<br />
"Coisinha! Tu tá <strong>de</strong> vestido novo! pron<strong>de</strong> que tu vai?"<br />
O cartaz dizia: "ENTRADA FRANCA". Havia uma tal<br />
clarida<strong>de</strong> que os olhos se assustavam. E na clarida<strong>de</strong> boiavam<br />
panos azuis e papéis prateados. Em fios <strong>de</strong> arame pairavam<br />
estrelas, luas e sóis. Anjinhos cor-<strong>de</strong>-rosa, anjinhos muito<br />
redondos voavam com fitas escritas na mão. Dentinho <strong>de</strong> Arroz<br />
soletrava: "Gló-ria-a-Deus. . ." Da estrela maior <strong>de</strong> todas caía uma<br />
faixa <strong>de</strong> prata cada vez mais larga, que vinha dar num casebre<br />
coberto <strong>de</strong> palha. Aí estavam a santa e o santo, com a cabeça<br />
virada para o ombro, o menino nuzinho e, <strong>de</strong> um lado e <strong>de</strong> outro,<br />
o burro e o boi com suas largas ventas soprando. . .<br />
Naquela confusão <strong>de</strong> dia e noite, com estrelas e sol ao<br />
mesmo tempo, as galinhas <strong>de</strong> crista vermelha andavam por ali<br />
com os pintinhos. Havia homens a cavalo, passando, e trens <strong>de</strong><br />
ferro correndo.