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Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

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Vozes <strong>de</strong> mulher erguiam um tino coro <strong>de</strong> angústias; e entre elas<br />

perpassava uma voz séria e grossa <strong>de</strong> homem como uma árvore<br />

que andasse e falasse <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> temporal enorme.<br />

Os tambores batiam um ritmo certo. E incansável.<br />

Havia um outro gemido insistente, e <strong>de</strong>ntro da música.<br />

Dentinho <strong>de</strong> Arroz, falava: "São as cuícas." E acrescentava: "Essa<br />

negrada não se dá ao respeito." Maria Maruca olhava para ela.<br />

"Coitado do negro que não se preza", murmurava ainda.<br />

Maria Maruca dava <strong>de</strong> ombros: "Feitiçarias. . . feitiça-rias!<br />

Eu lá faço caso disso! Eu lá vou ter medo <strong>de</strong>ssas porcarias!"<br />

No entanto, Boquinha <strong>de</strong> Doce, erguendo as sobrancelhas e<br />

baixando as pálpebras, falava <strong>de</strong> um modo muito especial: "Não<br />

me quero meter nisso. . . Esses pretos antigos sabem muita coisa.<br />

. . Há muita coisa neste mundo que não se sabe explicar..."<br />

Parava, levantava as duas mãos, concluindo, e <strong>de</strong> olhos abertos<br />

dizia: "Eu sei, porque já vi."<br />

Ninguém sabia se tinha relação com a batucada: mas em<br />

certas manhãs, apareciam na esquina da rua estranhas coisas:<br />

farofas, velas espetadas <strong>de</strong> alfinetes, embrulhos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> jornal,<br />

panelas <strong>de</strong> barro com vinténs, pedaços <strong>de</strong> fita, frangos mortos ou<br />

vivos. . .<br />

Dentinho <strong>de</strong> Arroz, se tinha <strong>de</strong> sair, dava uma gran<strong>de</strong> volta:<br />

"Não vê que eu passo por perto <strong>de</strong>ssas porcarias! Quem põe em<br />

cima fica com o mal que era para os outros. . ."<br />

vermelho.<br />

Maria Maruca ria-se a valer. Seu nariz ficava extremamente<br />

Os garotos da rua vinham-se chegando, com paus nas<br />

mãos. Apontavam uns para os outros o que iam <strong>de</strong>scobrindo:<br />

"Olha ali um pedaço <strong>de</strong> cabelo! Xi, não bole, seu! É feitiçaria! Olha<br />

só quanto charuto!" Vinham outros: "Que é, hein? Tem muamba?"

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