Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
abalava o mundo, a casa, estremecia o corpo da gente por <strong>de</strong>ntro.<br />
E ficava no ar um tremor <strong>de</strong> pássaro, um vibrar finíssimo <strong>de</strong><br />
grilos.<br />
Era um espetáculo tal que a menina não resistia ao <strong>de</strong>sejo<br />
<strong>de</strong> vê-lo. Mas o vento lançava-lhe terra nos olhos e na boca. O<br />
vento enchia-lhe os ouvidos <strong>de</strong> um tumulto imenso — casas<br />
carregadas pelos ares, navios virados, árvores arrancadas — ELA<br />
MESMA levada por entre essas coisas perdidas — para on<strong>de</strong>? para<br />
on<strong>de</strong>? — e sem se po<strong>de</strong>r agarrar a nada, sem que ninguém a<br />
puxasse — caída para fora do mundo, pela força do vento.<br />
Então, vinha-lhe um pânico, uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não ver,<br />
<strong>de</strong> não ouvir, <strong>de</strong> não saber que o vento estava ali — e <strong>de</strong> gritar, <strong>de</strong><br />
gritar muito, pedindo que o <strong>de</strong>tivessem, que o parassem, que o<br />
mandassem embora.<br />
Criança nem homem, nunca ninguém sofreu tanto, nunca<br />
ninguém chorou tão convulsamente, por coisa perdida, por vida<br />
acabada — como a menina aterrorizada com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>struidor do<br />
vento.<br />
E entre lágrimas, maiores que os seus olhos, viam-se os<br />
raios cair, velozes e claros — ao longe, sobre as montanhas<br />
afogadas na sombra.<br />
a reza:<br />
— Por que o céu fica assim preto.. . ? Edwiges interrompeu<br />
— Num diga preto, menina. Um home que falo essa<br />
palavra, num dia assim, veio o curisco, pego nele e <strong>de</strong>ixo que nem<br />
carvão. (Pruquê preto é "ele" — o Canhoto. . .) A gente <strong>de</strong>ve <strong>de</strong><br />
dizê: escuro.<br />
Outra rajada <strong>de</strong> vento matava perguntas e respostas.<br />
Nem Boquinha <strong>de</strong> Doce podia nada, no meio daquela<br />
estranha <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m? "Lá se vão as flores das árvores!" murmurou