Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
tirar manchas <strong>de</strong> querosene no assoalho. Depois, foi-se embora.<br />
Quando chegou à esquina, voltou-se, para dizer a<strong>de</strong>us. Os<br />
babados da sua saia arregaçada <strong>de</strong>sapareceram.<br />
E Boquinha <strong>de</strong> Doce murmurava como quem reza: "E esta<br />
senhora está tão magra... tão magra... Irá morrer, também? Irá<br />
também atrás dos outros?..."<br />
Maria Maruca observava: "Eu não sei por que é: os prosas<br />
acabam sempre assim — só em esqueleto. Acho que é porque eles<br />
não comem, não é?"<br />
OLHINHOS DE GATO escutava uma e outra, olhando o<br />
príncipe <strong>de</strong>ntro do prato. E via em redor aquelas mãos tão brancas<br />
e lustrosas, parecidas com as velas e com as teclas dos pianos.<br />
Assim polidas. Daquela cor.<br />
Maria Maruca não se <strong>de</strong>sencantava do seu <strong>de</strong>scobrimento.<br />
Parava diante da barreira, e achava impossível.. . Queria, mesmo,<br />
chamar o homem do chumbo velho, para lhe ven<strong>de</strong>r todo aquele<br />
ouro. "Ninguém acredita... — dizia ela — ... um dia hão <strong>de</strong> se<br />
arrepen<strong>de</strong>r. . ."<br />
O mundo era o terraço que a parreira enfeitava <strong>de</strong> sombras<br />
móveis — o quintal que <strong>de</strong>scia por ali abaixo, carregando suas<br />
árvores — a rua que passava <strong>de</strong>fronte, sem casas, reduzida a um<br />
muro esboroado e as espessas fron<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mangueiras cor <strong>de</strong><br />
bronze — era o fundo das outras casas, com cordas <strong>de</strong> roupa,<br />
gatos andando — e as outras ruas mais longe — telhados,<br />
vermelhos ou pretos, com chaminés, clarabóias, janelas <strong>de</strong> sótãos<br />
— torres das igrejas — trens — gasômetros — palmeiras —<br />
pedreiras — morros — e as montanhas: primeiro, ver<strong>de</strong>s; <strong>de</strong>pois,<br />
roxas; por fim, azuis... E as nuvens... E os pássaros... E a luz<br />
nascente... E aquele rumor humano que se ouvia, <strong>de</strong> alto a