Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
E ela ouvia dizer com <strong>de</strong>lícia: "Mas on<strong>de</strong> se teria metido<br />
essa criança?" Ouvia dizer, e sentia no nariz o cheiro particular<br />
daquele recanto <strong>de</strong> escuridão. "Estará no armário?" Seu coração<br />
batia forte: pum, pum. Não, no armário não estava. . .<br />
Maria Maruca bateu todo o quintal à sua procura. Dentinho<br />
<strong>de</strong> Arroz foi espiar, mansamente, por entre os vestidos.<br />
E ela via os pés <strong>de</strong> Dentinho <strong>de</strong> Arroz: o bico triangular, o<br />
bico <strong>de</strong> verniz dos chinelos <strong>de</strong> pêlo branco e preto. . . Via o<br />
contorno amarelo da sola. Via a pele do calcanhar, um pouco<br />
gretada. . . Via também a poeira brincando na réstia <strong>de</strong> sol que<br />
vinha mo<strong>de</strong>lar o pé torneado da ca<strong>de</strong>ira... A franja branca da<br />
colcha caía <strong>de</strong> um lado a outro, reta, por igual. Não se respirava<br />
muito bem, o corpo não estava muito à vonta<strong>de</strong>, mas era fresco, e<br />
talvez assim se conseguisse escapar daquele perigo.<br />
Quando ela viu, porém, que os pés se aproximavam: "Se<br />
não está no armário, então..." e sentiu que se ajoelhavam, e<br />
percebeu que levantavam a barra da colcha — suspen<strong>de</strong>u a<br />
respiração, e fechou os olhos. Mas foi inútil... ah! foi inútil! . . .<br />
"Eu logo vi! Não disse? Saia já daí, seu bicho-do-mato!" E a mão<br />
tocava-lhe o vestido, o joelho, um trecho do braço — a mão que<br />
não se via, no escuro, mas que se sentia movendo os <strong>de</strong>dos finos e<br />
elegantes como cavalinhos caminhando. . . E o rosto espiava sob a<br />
franja da colcha: "Vamos, que estão esperando!" E os <strong>de</strong>ntinhos<br />
brancos luziam miúdos como sementes. E os olhos ficavam<br />
bonitos como o luar na água.<br />
Quando saiu do seu escon<strong>de</strong>rijo, Boquinha <strong>de</strong> Doce também<br />
tinha chegado: "Mas on<strong>de</strong> isto se foi meter! E todos procurando! E<br />
a tia Tota. . . e o priminho..."<br />
Mas seus cabelos estavam <strong>de</strong>spenteados, e o vestido todo