Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
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im com uns risquinhos. Tudo porque não queria ser homem. É<br />
outra cisma, agora. . ."<br />
E a voz da senhora magra, <strong>de</strong> mãos <strong>de</strong> marfim e olheiras<br />
azuis respondia, grave e doce: "Criança é assim mesmo. . . É<br />
preciso ter paciência. . . Com o tempo endireitam..."<br />
Ela esperava pela voz do primo. Quem sabe ele também ia<br />
dizer alguma coisa? Mas o menino não dizia nada.<br />
— Quando acabar <strong>de</strong> enrolar os cachinhos, vamos pôr pó-<br />
<strong>de</strong>-arroz, e você vai aparecer. . . Você não é bicho-do-mato. . . Que<br />
coisa feia ter medo <strong>de</strong> homem!<br />
Mas nem com o pó-<strong>de</strong>-arroz e os cachinhos enrolados a<br />
menina se animou a aparecer.<br />
Dentinho <strong>de</strong> Arroz foi-se embora: "Também quando você me<br />
pedir para passear, eu não levo, não."<br />
A conversa caminhava por outros assuntos: coisas <strong>de</strong><br />
doença, <strong>de</strong> festa, <strong>de</strong> casamento e <strong>de</strong> morte. . . O canário trinava.<br />
Pessoas <strong>de</strong> longe. . . Lembranças dos outros tempos. Notícias <strong>de</strong><br />
outros lugares. . .<br />
E a menina, encostada à cama, pensava: "É tão bonitinho!<br />
Só vendo. Usa pastinha. . . Roupa <strong>de</strong> gravata e cabeção . . .<br />
Bengalinha. . . Parece um príncipe..."<br />
Mas era menino. . . Devia ser um futuro ladrão. . . Com<br />
certeza, tinha no bolso uma pedra para matar passarinhos. . . Mas<br />
usa pastinha. . . E <strong>de</strong>ve trepar nas árvores dos outros para<br />
arrancar as flores. . . Mas tem uma bengalinha... E sai com um<br />
pau na mão para bater noutros meninos. . . Mas a sua roupa.. .<br />
Então, foi até o canto do quarto, bem no canto, atrás do<br />
ca<strong>de</strong>irão enorme, e olhou para a espada encostada à pare<strong>de</strong>. Que<br />
espada imensa! Que espada pesada! "E si entrasse um ladrão <strong>de</strong><br />
noite?" — costumava perguntar Dentinho <strong>de</strong> Arroz. "Oh! temos a