Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
1<br />
O SUSPIRAR do vento matinal por aquela alta folhagem. . .<br />
E as mil coisas que começava a <strong>de</strong>senhar, sobre o céu<br />
transparente, o seu sussurrante suspiro: lua crescente, branca e<br />
sem luz, esquecida no ar da manhã. . . flocos <strong>de</strong> cores das nuvens,<br />
com fios <strong>de</strong> ouro pelo meio. . . giro dos pombos, para longe, para<br />
longe, como para dar volta ao mundo, arqueando as asas. . .<br />
cigarras <strong>de</strong> bronze e cristal sonoramente a<strong>de</strong>rindo ao galho<br />
rugoso. . . e o piar dos passarinhos — goelas vermelhas contra a<br />
luz, e ávidas, ávidas. . . teias <strong>de</strong> aranha esten<strong>de</strong>ndo re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> prata<br />
pela laranjeira. . . moscas ver<strong>de</strong>s zumbindo. . . duros besouros<br />
roliços. . . libélulas vestidas <strong>de</strong> vidro. . . formigas <strong>de</strong>slizando num<br />
interminável cortejo pela goiabeira abaixo. . . abelhas rodando em<br />
volta da rósea flor toda aberta. . . lagartixas correndo pelos tijolos<br />
do muro. . . falas <strong>de</strong> bem-te-vi... pios <strong>de</strong> sabiá. . . pingo da torneira<br />
do tanque abrindo n'água trêmulos círculos sucessivos... o gato<br />
amarelo caminhando cuidadoso pela beira do telhado... e no alto<br />
da cerca o velho galo <strong>de</strong> curvos esporões endireitando o corpo para<br />
cantar. . . (Depois, ele abanava a cabeça, agitando as barbas e os<br />
brincos, moles e vermelhos, e punha-se a cacarejar cá para baixo,<br />
conversando com a família. . .) E o pintinho tremendo pri-pri-pri-<br />
pri-pri. . . e esquivando-se todo diante <strong>de</strong> uma pobre minhoca. . . e<br />
um fiozinho <strong>de</strong> água per<strong>de</strong>ndo-se abandonado pela terra adiante,<br />
numa interminável lágrima. . . e o vento levantando as folhas<br />
secas do chão, virando-as, pousando-as, carregando-as, <strong>de</strong>ixando-<br />
as, o vento, aquele vento caricioso, subindo outra vez pela árvore<br />
acima, jogando fora as flores pequenas e os frutinhos murchos, e