17.04.2013 Views

Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

Cecília Meireles - Olhinhos de Gato (pdf)(rev) - Português

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

"Ah! Graças a Deus. . . Parece que já está melhorzinha..."<br />

— Toda a noite.<br />

E por que ela dormiu, naquela segurança, levando <strong>de</strong>ntro<br />

dos olhos Boquinha <strong>de</strong> Doce rezando, Dentinho <strong>de</strong> Arroz guardando<br />

as figuras inúteis, e Có, sentada pertinho, sorrindo-lhe e<br />

conservando nas suas, como para sempre, a sua mão?<br />

E por que, num momento invisível, essas mãos se<br />

<strong>de</strong>spren<strong>de</strong>ram da sua, que ficou sozinha sobre o lençol — e se<br />

foram nas pontas dos pés... e abriram a porta sem rumos. . . ?<br />

E por que, no dia seguinte, à primeira luz da manhã, ela<br />

abriu os olhos tão fatigados, tão nutridos só <strong>de</strong> esperança, e<br />

recordou-se, e <strong>de</strong>u por falta da imagem no lugar em que a <strong>de</strong>ixara,<br />

e balbuciou: "Co!" — e disseram-lhe: "Ela volta. . . Teve <strong>de</strong> ir em<br />

casa, mas volta. . ."?<br />

E por que uma estranha coisa se passou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, como<br />

se um pássaro preto e gran<strong>de</strong> pousasse no seu peito e em silêncio<br />

a apertasse nas garras, para sempre, e cada vez mais?<br />

O mesmo peso e a mesma sombra estiveram,<br />

anteriormente, sobre o coração.<br />

Ela andava entre as folhas secas, e as pedras, e as raízes<br />

das plantas, sozinha, falando sozinha, abaixando-se para apanhar<br />

uma concha misturada com a terra, ou perguntando coisas a<br />

algum caco <strong>de</strong> vidro. Os espinhos puxavam-lhe o vestido. As<br />

pombas fugiam dos seus sapatos. Nos quintais sossegados,<br />

cachorrinhos latiam. Era doce o ar, e <strong>de</strong>itavam-se cores atrás das<br />

montanhas. Um papagaio <strong>de</strong> papel balançava-se muito alto, no<br />

caminho dos pássaros.<br />

Então seu ouvido percebeu como um gemido baixinho.<br />

Parou entre as árvores, para <strong>de</strong>scobri-lo.<br />

Ouviu o zunir <strong>de</strong> um inseto, o suspiro da tar<strong>de</strong> nas folhas,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!