50% - Vida Lusa
50% - Vida Lusa
50% - Vida Lusa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Françoise Sagan, uma escritora<br />
que marcou uma época<br />
Éraro encontrar alguém tão<br />
contestado. Um antagonismo<br />
sempre presente toda a<br />
sua vida. De um lado os admiradores<br />
da sua obra, da sua pessoa<br />
tão simples, sem vaidade, ao<br />
ponto de ficar admirada quando<br />
lhe falavam “do seu trabalho”<br />
(para ela trabalho era “no duro”<br />
feito com as mãos, com o esforço,<br />
não com a caneta…) Do<br />
outro lado, os criticadores da sua<br />
vida, não da sua obra, (pois o<br />
vinco intelectual não devia dar para isso), que não<br />
a pouparam nunca. É mais fácil criticar o modo de<br />
vida de alguém, do que emitir opiniões sobre uma<br />
obra.<br />
Françoise Sagan tinha muitos defeitos, quem os<br />
não tem, e assumiu-os perfeitamente até ao fim,<br />
sem nunca prejudicar ninguém. Ao contrário, esta<br />
mulher brilhante, de inspiração, de espírito provocador,<br />
mas que lhe ia lindamente, deixou-nos uma<br />
extensa obra, que ainda hoje lemos com interesse e<br />
emoção. Dizem os críticos literários que os títulos<br />
“Mas o que dava dinheiro era o marisco”, conta a<br />
mulher, “andámos os dois nessa vida... Isto há 30<br />
anos”.<br />
O Batata, no barco, atravessava o canal da Lagoa<br />
com um ancinho a apanhar do fundo. A mulher, no<br />
baixio, de costas tombadas sobre a areia, apanhava<br />
à mão “Houve um dia que arrecadámos 110 quilos<br />
de berbigão. Arranjávamos ali uma venda que num<br />
fim-de-semana, trouxemos vinte contos”.<br />
Mas o Batata sentia falta das canas de pesca a tombar<br />
vergadas pela força do peixe. “E, um dia, andávamos<br />
lá e ele depois... quer dizer... antes queria ir<br />
para a pesca”, relembra, “chegou-me a dizer muita<br />
vez : antes quero ir para a pesca do que ir para uma<br />
boa festa”.<br />
A pesca e água estão-lhe no sangue e ainda hoje<br />
conversa com a Lagoa em tom de confidência.<br />
Palavras para a ondulação. A reza dos crentes.<br />
Nunca teve medo daquelas águas : “A paixão não é<br />
dada a medos”. Sensação só descoberta quando se<br />
aventurou na pesca do bacaIhau : “o mar dava cada<br />
marrada e as ondas enormes passavam por cima da<br />
LITERATURA<br />
dos seus livros, são os mais<br />
bonitos que jamais alguém teve.<br />
“Bonjour, tristesse”, “Un certain<br />
sourire”, “Dans un mois, dans un<br />
an”, “Aimez-vous Brahams”, “Les<br />
merveilleux nuages”, “Un peu de<br />
soleil dans l’eau froide”, “Un piano<br />
dans l’herbe”, “Le chien couchant”,<br />
“Un orage immobile”, “Un sang<br />
d’aquarelle”, entre tantos outros…<br />
Em 1987, editou um livro, uma<br />
biografia de Sarah Bernhardt,<br />
onde ela encontra e dialoga com a grande artista,<br />
como se esta ainda fosse viva e estivesse a seu<br />
lado, entrevistando-a directamente. “Le rire incassable”,<br />
faz-nos conhecer uma Sarah Bernhardt,<br />
mais viva, natural, divertida, cheia de humor, do<br />
que aquela que nos tinham contado até aqui.<br />
Já lá vão 17 anos e se relermos este livro, não destoa<br />
em 2004.<br />
Aqui fica a homenagem da “<strong>Vida</strong> <strong>Lusa</strong>”, à escritora<br />
Françoise Sagan. ■<br />
proa”. Fez parte de três “companhas” e quando<br />
havia peixe trabalhava-se dezoito horas e descansava-se<br />
seis. “Enfiámo-nos, uma vez, numa clareira<br />
de gelo, estivemos 80 dias para sairmos”. Episódios<br />
que se espelham no rosto mal tratado, nas<br />
mãos comidas pelo reumático. “A pesca não faz as<br />
pessoas bonitas”, lamenta com tristeza a mulher.<br />
A Foz do Arelho, a Lagoa e “dois bocadinhos de<br />
terra, foram o seu mundo durante 85 anos. E percorre,<br />
todos os dias, a pé, de cana às costas, os três<br />
quilómetros que o separam da borda da Lagoa.<br />
Apanha o isco. Deita a bateira à água. Lança as<br />
canas. Parece transportar consigo a paz universaI<br />
daqueles que escolheram como querem morrer.<br />
“Gosto muito disto”, desabafa. O peixe teima em<br />
não morder. Amanhã volto cá “recolhem-se as<br />
canas” mas de manhãzinha para apanhar a a maré a<br />
encher “sobe para o tombadilho, desprende a vara”<br />
aproveito e ainda vou apanhar isco “abateuira<br />
conquista as águas”. ■<br />
Filipa Martins<br />
Novembre 2004 — <strong>Vida</strong> <strong>Lusa</strong> n° 73 — 13