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LITERATURA “Uraça” de Deana Barroqueiro Todos se ajoelhavam à passagem do rei e das relíquias, mas os olhos dos mais curiosos, sobretudo das mulheres, não perdiam pitada e os ditos desmentiam a compostura dos corpos: - Olhai como El-Rei vai triste, apesar da festa! Saudades da Rainha, por certo! - Pudera! Só esteve casado um ano, qu’ a desventurada D. Isabel morreu ao parir. - Já lá vão dois anos e ainda sofre, o pobrezinho! - Foi castigo dos Céus, por ter cobiçado a viúva do sobrinho, do principezinho Afonso que Deus haja! - Ah, mulher, nã digas isso! Ele já gostava dela em solteira e teve de a entregar ao sobrinho por ordem d’El-Rei D. João II. - Se era assim, então não me dirás por que razão se fala por aí que Sua Majestade e os Reis de Castela já estão de concerto para o casamento do triste viúvo com a cunhada, a princesa D. Maria? - Razões e deveres de Estado, home, que o Rei tem de ter herdeiros… Na praia romperam as fanfarras e todas as naus dispararam salvas de artilharia. O som das trombetas, atabaques30 , sestros31 , tambores, flautas, pandeiros e até de gaitas de foles levantavam os espíritos mais melancólicos e muita gente bailava, mostrando que o coração de todos se movia entre o prazer e as lágrimas com a partida de tantos dos seus homens. Os Capitães e primeiros oficiais foram postar-se diante das suas equipagens, apenas Pedro Álvares Cabral se manteve na bancada real, junto de Sua Majestade que continuava a fazer-lhe as últimas recomendações numa voz apenas para os seus ouvidos. Então soaram as trombetas para recolherem às naus, fizeram-se novas salvas com artilharia e, em perfeita ordem, os capitães começaram a desfilar com os seus homens diante d’El-Rei para lhe beijar a mão em despedida. D. Manuel fez a todos muitas honras, dizendo graves e bondosas palavras, mostrando-se muito agradecido por tamanha lealdade e tão precioso e nobre serviço prestado não somente à pessoa d’El-Rei mas antes a Deus e ao Reino de Portugal. Recomendou ainda aos capitães o bom trato da gente, sobretudo o reparo dos doentes. Gonçalo tinha a alma presa na cerimónia da despedida. Sentia orgulho em estar ali e imaginou por momentos o pai, com ele ao lado, a desfilar com os seus homens diante do Rei Venturoso para lhe beijar o anel e o coração apertou-se-lhe de dor e saudade. Uma mão de ferro apanhou-o pelo cachaço e ergueu-o no ar como se fosse um cachorro vadio. O padrasto! Ao lado, de rosto de pedra e olhos acerados, o espião a soldo dos Reis de Castela sorria de triunfo. - Finalmente caçado como um rato que és! Quem havia d’ imaginar que tinhas esperteza pra t’ esconderes aqui?! Já desesperava de t’ encontrar e afinal apanhei-te por acaso e onde menos contava ver-te. Inda gostava de saber como escapaste ao Manel Cruz e ao “Maceiro” e os deixaste desacordados na viela, que não s’alembram de nada Mas, antes d’ ajustarmos contas, vais dizer-me onde tens o pergaminho roubado e, asinha32 Continuação do Capítulo II , qu’ o tempo voa! Gonçalo empalidecera. Mais uns minutos e teria ganho a sua liberdade e… a vida. Porém não iria ceder, nunca lhes (30) Tambor de metal (vindo do Oriente), em forma de meio globo, coberto (32) Depressa. de uma pele esticada onde se toca. (33) Rota, mapa de um percurso de navegação. (31) Antigo instrumento musical, espécie de marimbas metálicas. (34) Perturbar, incomodar. 16 — Vida Lusa n° 73 — Novembre 2004 entregaria o mapa com a preciosa derrota 33 traçada com tanta dor e sacrifício por Vasco da Gama e os seus homens! Derrota secreta que seria paga a peso de ouro pelos espiões de Castela, roubada de uma das naus, antes da partida para o Restelo, por homens a soldo do padrasto. Lançou-lhe, altivo: - Vós é que o roubastes e sois traidor! Afonso Freire corou de fúria e medo, os dedos apertaram-se mais em volta do magro pescoço do enteado e Gonçalo gritou. O maldito do rapazelho ainda o havia de perder! O castelhano disse entre dentes, inquieto: - Cuidado con la gente que nos mira! De longe Mateus apercebera-se, inquieto, dos movimentos suspeitos dos dois homens junto do amigo e esperava o momento de intervir. Também o Guardião, sempre vigilante, notara a agitação e aproximava-se. - Que temos aqui? Afastai-vos que a equipagem vai agora desfilar. Afonso Freire disse, arrogante: - Venho buscar o meu filho que não tem licença minha pra embarcar. O oficial mostrou no rosto todo o desagrado que lhe causava a cena inesperada: - Agora?! Mas o moço já está engajado na nau capitânia! Não podemos ficar com faltas na equipagem no momento da largada… - Mas eu não o deixo partir! - Olhai pró qu’eu estava guardado! Isto só a mim… na hora da saída! - o homem estava furioso. - Esperai, enquanto vou chamar o Meirinho da Armada. Afonso Freire e o castelhano fizeram um movimento de recuo ao ouvir mencionar o oficial da Justiça e, apercebendo-se do seu receio, o desesperado grumete tentou a sorte: - Guardião, eu não sou filho deste homem, só trabalhava para ele. Vede, tenho aqui a licença do meu pai - e entregou-lhe o documento falso. O Guardião não sabia ler, mas não quis dar parte de fraco para não perder a sua autoridade. Além disso não podia ficar sem um grumete na hora da partida da Armada. - Parece-me em ordem. Porque dizeis que é vosso filho, se o não é? Antes que o padrasto falasse, Gonçalo disse: - Não tendes de vos preocupar comigo nem com o pergaminho, que está bem guardado. Mas agora deixai-me partir e dar rumo à minha vida e eu não vos anojarei 34 na vossa. Mas se me impedis de partir, eu terei de dizer ao meirinho o motivo da vossa proibição. Afonso Freire sentiu a promessa e a ameaça na fala do enteado, pensou no oficial da Justiça e arrepiou caminho: - Vede, Mestre, como é ingrato! Trato-o como um filho e paga-me desta sorte. Levai-o pois convosco e fazei-o trabalhar, qu’é madraço. Fez um sinal ao castelhano e começou a afastar-se, atirando-lhe entre dentes um “Não julgues que me escapas” que o Guardião não ouviu, pois bradava contra Gonçalo, descarregando nele o mau humor causado por aquele aperto de última hora: - Se me aprontas mais alguma, meu malandro, levas 20 chicotadas nesses lombos que ficas sem pele p’ra te cobrir os ossos! E toma tento que vou andar d’ olho em ti… – Ele não queria perder um criado, Mestre Guardião, foi só por isso que aqui veio... Continua no próximo número
LINGUAGEM DE FLORES Linguagem de flores : Novembro Crisântemo vermelho, branco e amarelo O crisântemo é uma flor especial. Não tem a mesma significação em todos os países. Os chineses e os coreanos sabem cultivar esta sua flor preferida desde há milénios e de todas as cores : brancos, amarelos, violetas, ouro velho, cor de fogo, etc. Assim como os japoneses, que realizam grandes festas na época em que os crisântemos estão em flor, que significam para eles paz e força interior para enfrenter todas as adversidades da vida. Na Europa, como é uma flor que nasce por volta do Dia de todos os Santos, é ela que vai ornamentar as campas nos cemitérios. Em Paris, desde que Marcel Proust em 1900, invadia de crisântemos o apartamento de Odete, esta flor perdeu a pouco e pouco a sua reputação triste, para participar na decoração dos interiores parisienses. Além do crisântemo temos também : Silva a pena, a tristeza, o desgosto A silva, que tem quando floresce, bonitas florzinhas cor-de-rosa e sobretudo uns frutos deliciosos que são as amoras, está ligada à tradição religiosa de uma maneira especial, pelos seus enormes picos. A silva está associada definitivamente às dificuldades da vida terrestre, “os caminhos semeados de silvas e espinhos” que o homem tem de percorrer e aos trágicos acontecimentos da Paixão de Jesus Cristo, cuja cabeça foi coroada de espinhos. amo-te, verdade e amor frágil Jasmin branco e amarelo amabilidade, graça e elegância Planta originária das Índias, resiste bem ao frio e floresce no Inverno. Entra na composição de muitos perfumes para a Altacostura. Na Tunísia, fazem pequenos raminhos que vêm vender nos terraços dos cafés e que os homens põem atrás da orelha. Loureiro glória, vitória O Loureiro cresce em toda a bacia Mediterrânica. Planta valente, sempre verde, desafiando as intempéries, cujo potente aroma perfuma e é utilizado em todas as cozinhas do mundo. E quem é que canta nesta época tão triste? “Canta mais, meu gentil tordo, pousado nesse ramo seco canta mais, avezinha simpática, para nós ouvirmos, Mesmo o velho Inverno, no princípio do seu reinado, Ouvindo o teu alegre cantar, Desenruga a testa e fica menos preocupado”. Novembre 2004 — Vida Lusa n° 73 — 17
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