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JORGE MEDAUAR - O Homem que Sabia - Emanuel Pimenta

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<strong>JORGE</strong> <strong>MEDAUAR</strong><br />

o homem <strong>que</strong> sabia demais<br />

2<br />

emanuel dimas de melo pimenta<br />

pela satisfação de uma provável estocada vitoriosa. «O analógico restituído», a «hipotaxe<br />

volatilizada em parataxe», a «implosão de um buraco negro», as «imagens» <strong>que</strong> se traduzem<br />

em quase enigmas e são em soluções diáfanas, transparentes, sem mistério, até mesmo a<br />

«Terra vista de Marte» e essa prisão <strong>que</strong> nos prende a todos – «todos somos prisioneiros da<br />

ilusão» – tudo isso me soa assim como uma sarabanda poética, um desfolhar de pétalas e<br />

folhas molhadas nas tintas de uma cultura ainda gelatinosa, trêmula como as geléias, os<br />

cremes, os manjares <strong>que</strong> juramos ter a consistência de mármore, mas não têm. Outra vez<br />

esbarro no «espaço do mundo lógico», para ficar sabendo <strong>que</strong> o espaço do mundo lógico<br />

– é você <strong>que</strong>m diz – é outro. Vou verificando, na minha compacta ignorância, <strong>que</strong> o espaço,<br />

de tanto ser dito, citado, mencionado, discutido, já me parece qual<strong>que</strong>r coisa de palpável,<br />

muito sólida, matéria ainda não classificada nessas fórmulas <strong>que</strong> dão o símbolo químico<br />

de cada substância, como o bário, <strong>que</strong> tem o número atômico 56. «Ba, de massa atômica<br />

137,36» etc. Logo mais encontraremos a base do espaço e lhe aplicaremos um número,<br />

retirando-o assim da ausência física para o avocar a uma ponderável presença material.<br />

De mistura a tudo isso, embocamos na Revolução Industrial, no «rebatimento da cúpula<br />

celeste» e ficamos empacados nesse «avesso pelo verso», me soa assim como um sopro de<br />

Caetano Veloso, numa sátira apenas pressentida e nunca realizada. Olha aí: «a nossa ilusão<br />

de mundo é restituir um outro espaço». Como vê, o espaço são ângulos, esquinas, curvas,<br />

pontes, ligações de frases, costura de pensamentos soltos <strong>que</strong>, com a simples aplicação da<br />

palavra espaço, se corporificam, solidificam, cristalizam-se. Por fim, abro diante dos olhos<br />

o seu projeto arquitetônico e fico como um ratinho diante de circuitos de televisão, ou na<br />

indecisão de corredores <strong>que</strong> formam labirintos através dos quais eu, o rato, atônito, não<br />

sei se chegarei ao naco de <strong>que</strong>ijo, estrategicamente colocado no final do labirinto, como<br />

prêmio à inteligência do próprio rato. Camundongo, implume, portanto, falta-me o pelo e o<br />

couro da ratazana para seguir impávido com a segurança adulta de <strong>que</strong>m já é familiarizado<br />

com labirintos. Pelas ilustrações, o nível cronológico das ilustrações, o seu índice estatístico<br />

de ocorrências, textos específicos e famílias de tipos – esse conjunto de <strong>que</strong> se compõe o<br />

índice do seu trabalho, verifico <strong>que</strong> deve haver uma sequência lógica em tudo – mas <strong>que</strong><br />

eu tropeço, claudico e caio nas armadilhas de uma inteligência <strong>que</strong> me superou. Não sei se<br />

seria mais fácil um esgrima filosófico molhado em bom vinho português ou mesmo desses<br />

de Bento Gonçalves, <strong>que</strong> podem muito bem espiritualizar uma outra conversa, como a <strong>que</strong><br />

já tivemos, para a alegria da minha inteligência, já agora anoitecendo, enquanto a sua<br />

amanhece, gloriosamente.<br />

Jorge Medauar<br />

*Tapas - A Impermanência das Coisas e das Idéias, Arquitetura e o Inconsciente. Editora Projeto, 1985, São<br />

Paulo.

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