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JORGE MEDAUAR - O Homem que Sabia - Emanuel Pimenta

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<strong>JORGE</strong> <strong>MEDAUAR</strong><br />

o homem <strong>que</strong> sabia demais<br />

1<br />

emanuel dimas de melo pimenta<br />

Deu um breve suspiro e ficou ali, como se o mundo tivesse desmoronado, olhando<br />

para mim.<br />

Mais alguns longos momentos de silêncio.<br />

Podia-se sentir o vazio <strong>que</strong> vinha nele.<br />

- <strong>Emanuel</strong>, você não imagina o <strong>que</strong> eu vivi hoje. Eu mesmo, às vezes, também tenho<br />

dificuldade em acreditar nos meus próprios olhos. Salvei um rapaz. Filho de um velho<br />

amigo... tem praticamente a sua idade... foi preso pelo exército, acusado de subversão.<br />

A família não sabia nem mesmo onde ele estava. Ninguém foi informado. Apenas<br />

desapareceu. E, nos nossos dias, basta desaparecer para se saber onde está. Preso.<br />

Ficou incomunicável. A família desconfiou, imploraram para <strong>que</strong> eu descobrisse o<br />

paradeiro do rapaz. Uma alma normal não suporta ver um pai chorar. Fui até Brasília.<br />

Conversei com um general <strong>que</strong> eu conheço já há algum tempo. Lá mesmo, da sala<br />

do general, pelo telefone, localizaram rapidamente o rapaz. Bastou um telefonema!<br />

Estava mesmo preso. Aqui, em São Paulo. Condenado, sem julgamento. Você sabe...<br />

nessas situações, com este governo ditatorial, a morte é coisa certa. Levei mais de<br />

uma hora para convencer o general de <strong>que</strong> se tratava apenas de um rapaz inocente,<br />

<strong>que</strong> seguramente se portara mal, mas <strong>que</strong> a família era séria, de gente honesta e<br />

coisas do gênero. O general me olhava quieto, imóvel, por trás da sua imensa<br />

mesa, tinha um olhar frio, como se estivesse ouvindo uma história qual<strong>que</strong>r, sem<br />

importância. Ele não se incomodava com o futuro do menino. Aliás, parecia <strong>que</strong> não<br />

se incomodava com qual<strong>que</strong>r coisa. Era um general. Mas estávamos tratando de uma<br />

vida! E a sensação <strong>que</strong> eu tinha foi a de <strong>que</strong> a vida tinha se tornado em algo como<br />

as cebolas ou as batatas, e <strong>que</strong> nós estávamos ali, negociando. Eu, implorando pelo<br />

pai e o general, fazendo contas. Depois de falar durante um longo tempo – o general<br />

sempre em silêncio – cheguei a pensar, com o coração apertado, <strong>que</strong> os meus esforços<br />

tinham sido em vão. Fez-se um profundo silêncio na sala. Eu não sabia mais o <strong>que</strong><br />

dizer. Perguntou-me se eu assumiria a responsabilidade pelos futuros atos do rapaz.<br />

Respondi imediatamente <strong>que</strong> sim. Depois de alguns momentos, o general me olhou<br />

como se estivesse espetando na minha alma uma cobrança futura, cujo preço eu não<br />

sabia. Disse-me <strong>que</strong> libertaria o rapaz – mas <strong>que</strong> o fazia apenas em consideração à<br />

minha pessoa, e determinou <strong>que</strong> o menino saia imediatamente do país. Eu nem precisei<br />

perguntar aos pais. Aceitei imediatamente. Saí da sala agradecendo, mas trazendo<br />

um sentimento de revolta, de incompreensão, amargor. Telefonei rapidamente para<br />

os pais, <strong>que</strong> já foram buscar o rapaz e devem ir a caminho do aeroporto. Como uma<br />

pessoa pode dispor tão levianamente da vida de outra? Que época é esta em <strong>que</strong><br />

estamos vivendo? O rapaz não teve direito a defesa. No caminho de volta, eu vim

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