JORGE MEDAUAR - O Homem que Sabia - Emanuel Pimenta
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<strong>JORGE</strong> <strong>MEDAUAR</strong><br />
o homem <strong>que</strong> sabia demais<br />
48<br />
São Paulo. Agosto 17. 1987<br />
Meu caro <strong>Emanuel</strong>,<br />
emanuel dimas de melo pimenta<br />
Tudo bem, como dizem os débeis mentais <strong>que</strong> andam por aí. Você não tem nada <strong>que</strong><br />
se desculpar. Todos os amigos, os bons, já nascem desculpados de tudo, se acaso têm culpa<br />
de alguma coisa.<br />
Quanto ao nosso desencontro, já é bem lugar-comum dizer <strong>que</strong> a própria vida é<br />
toda ela feita de desencontros. Mas, é num dos encontros <strong>que</strong> as coisas se consolidam, as<br />
amizades se corporificam e acontecem as transfusões de valores etc. Sua visão, hoje, do<br />
Brasil é mais uma visão universal, de horizontes mais amplos.<br />
Pode ser <strong>que</strong> você tenha visto na efervescência social e política do nosso país alguma<br />
semente de revolução, algum rastilho de pólvora. Não creio. Nosso povo não tem medula.<br />
Somos uma sociedade mais ou menos amorfa, constituída de matéria gelatinosa, talvez<br />
visguenta, <strong>que</strong>m sabe da mesma substância dos moluscos. Mas isso não significa <strong>que</strong> não<br />
possam ocorrer surpresas.<br />
Cada eleição – aqui como lá – são surpresas espantosas.<br />
E nós vamos nos habituando a viver num mundo surpreendente, como se fosse um<br />
caleidoscópio de vidrilhos negros, onde de raro em raro rebrilha uma lasca de cor mais<br />
amena.<br />
Veja: o seu irmão casou. Não é uma surpresa?<br />
Não me cabe dizer de <strong>que</strong> cor – mas tudo é surpresa. Desde um casamento a uma tia<br />
<strong>que</strong> nos aparece com a sua carga de novidades, indagações, desejos de compra etc.<br />
Olhe: você está correndo o risco de me receber aí. É <strong>que</strong> eu estou voando para o<br />
Marrocos, no próximo dia 21, a convite do Rei – mas, lá não sou amigo do rei, nem tenho<br />
a mulher <strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ro na cama <strong>que</strong> escolherei. Se os dólares não forem muito escassos,<br />
espicharei a minha viagem até Lisboa – na verdade, a pátria dos meus sonhos, onde<br />
desejaria viver os meus últimos dias, como alguém <strong>que</strong> tivesse merecido o cumprimento do<br />
seu último desejo. Viver em Lisboa, depois morrer. É uma frase verdadeira, na beleza do seu<br />
lugar-comum. Como vai a sua esposa?<br />
Conte-me dos seus trabalhos. Isso é o <strong>que</strong> mais importa. E ao pé de um velho Dão,<br />
ponha mais um copo para o velho amigo <strong>que</strong> tanto o <strong>que</strong>r,<br />
Medauar