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JORGE MEDAUAR - O Homem que Sabia - Emanuel Pimenta

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<strong>JORGE</strong> <strong>MEDAUAR</strong><br />

o homem <strong>que</strong> sabia demais<br />

34<br />

emanuel dimas de melo pimenta<br />

primeiro para uma caricatura do socialismo – espécie de bate-bola – para depois assentar as<br />

bases das mudanças estruturais de Estado, <strong>que</strong> por sua vez vão modificar a superestrutura<br />

do ser humano. E nem há dúvida de <strong>que</strong> quanto mais os seres humanos se afastarem do<br />

totalitarismo, dos Estados de exceção, como os antigos Estados fascistas ou nazistas (ainda<br />

temos Pinochet e Paraguai e mais alguns por aí) melhor para o espírito e também para o<br />

corpo. Que o espírito livre também liberta o corpo para outras coisas, até para o trabalho<br />

mais produtivo, por<strong>que</strong> feito com amor, com objetivos pré-definidos. Não o trabalho <strong>que</strong><br />

enri<strong>que</strong>ce os outros. Acho <strong>que</strong> Portugal caminha para as suas próprias afirmações. Seus<br />

intelectuais ainda não estão familiarizados nem mesmo com o acervo da literatura e da<br />

filosofia materialistas, <strong>que</strong> levam, fatalmente, ao socialismo <strong>que</strong> liberta. O homem português<br />

não é diferente dos outros. Apenas, Portugal caminha com seus próprios recursos, <strong>que</strong> ainda<br />

são simples e naturais como a alma portuguesa, sevada no fado e na saudade, na nostalgia<br />

das suas aventuras marítimas. Sua literatura ainda não assimilou totalmente o verso de<br />

Fernando Pessoa. Muitos dos seus poetas – pode comparar – procuram se parecer com ele,<br />

mas nunca serão iguais. Por<strong>que</strong> a<strong>que</strong>le vinha de uma cultura inglesa, mais estruturada e<br />

mais sedimentada em obras como O Paraíso Perdido, Macbeth, Ulisses, e toda uma filosofia<br />

de substância e clareza.<br />

Há no lastro da poética lusitana a<strong>que</strong>la doce ingenuidade de Guerra Jun<strong>que</strong>iro. Eça de<br />

Queiroz riu muito de Portugal <strong>que</strong> ele tanto amava. Por<strong>que</strong> conhecia desde o Egito até as<br />

Américas, sem falar da sua Paris ou na sua Londres.<br />

Os modernos foram atingidos pelo silêncio imposto pelas ditaduras. E são mais ou menos<br />

tartamudeantes, isto é, não libertaram o estro como o fez Camões <strong>que</strong>, por seu turno,<br />

conhecera horizontes mais amplos, universais – daí a universalidade dos Lusíadas. Mas,<br />

deixemos de banda a literatura, e vamos para a nossa humanidade, as nossas vidinhas.<br />

Esperei – isto é, esperamos todos, em casa – pela sua visita. E como até hoje você não veio<br />

nos ver, ficamos desolados.<br />

Era uma oportunidade de conhecer melhor a sua esposa, sentir-lhe os bons sentimentos<br />

<strong>que</strong> a levaram até você. Não me es<strong>que</strong>ço do dia do seu casamento, na porta, ela dizia a<br />

uma amiga, referindo-se a você, vestido quase <strong>que</strong> a caráter para a solenidade: «Veja. Ele<br />

não está uma gracinha?» Com essa fala, ela nos transmitiu, a nós, toda a ternura <strong>que</strong> lhe ía<br />

n’alma por alguém <strong>que</strong> estava transpondo o limiar da maturidade intelectual – e também<br />

do seu comportamento físico diante do mundo, seu modo de se vestir, sua negligência<br />

simpática na deselegância das roupas, sem sempre talhadas na medida, como exigem os<br />

formalistas, <strong>que</strong> têm mais pose por fora do <strong>que</strong> substância por dentro.<br />

Você me pergunta da Maria Matilde: é uma menina, ainda, embora esteja avançando no<br />

tempo. Não sei se ela se compraz em continuar na rotina mental e de trabalho, à espera de<br />

um casamento <strong>que</strong> lhe faça – <strong>que</strong>m sabe? – mais realizada <strong>que</strong> nessa permanência vinculada<br />

às origens, sem dúvida tolhedora, talvez até repressiva, inconscientemente repressiva. Que

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