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JORGE MEDAUAR - O Homem que Sabia - Emanuel Pimenta

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<strong>JORGE</strong> <strong>MEDAUAR</strong><br />

o homem <strong>que</strong> sabia demais<br />

38<br />

São Paulo. Agosto 11. 1986<br />

Meu caro <strong>Emanuel</strong>,<br />

emanuel dimas de melo pimenta<br />

Como invejo vocês nessa paz, rodeada de céu e de mar, iluminados pelo Sol e<br />

enfeitados de flores em Lisboa. Apreciei a sua coragem, dizendo <strong>que</strong> não tem saudade de<br />

São Paulo*. Olha: até eu, <strong>que</strong> aqui estou, exatamente no centro da violência, também não<br />

teria saudade desta São Paulo, mas sim da<strong>que</strong>les meus tempos de estudante, no Ginásio<br />

Paulistano. Tempos em <strong>que</strong> à noite, depois das 23 horas, saíamos em pe<strong>que</strong>nos grupos até<br />

a Praça da Sé, discutindo filosofia, política e literatura – e éramos cumprimentados por<br />

desconhecidos pacíficos, ou notâmbulos <strong>que</strong> retornavam ao lar. Nem se pensava em assalto<br />

ou roubo. Os gatunos – gatunos não soa com mais suavidade <strong>que</strong> assaltante ou ladrão?<br />

– eram conhecidos, tanto da polícia como da população, <strong>que</strong> identificava os roubos pelo<br />

“estilo”.<br />

Eram traídos pela forma como assaltavam. Hoje, somos assaltados e mortos com<br />

brutalidade por desconhecidos – criaturas parecidas conosco <strong>que</strong> saem à rua como saem o<br />

leão e o tigre, à caça. Mas, estes cumprem os apelos do instinto – e são naturais. Sim, sim.<br />

Tivemos outro pacote de medidas político econômicas. Já não sabemos onde ou por onde<br />

andam os larápios. Será <strong>que</strong> o poder corrompe? Ainda nos resta a dúvida, mas dúvida não<br />

temos do poder corruptível do dinheiro. Vem um governo estróina, mandrião, inoperante e,<br />

para enfrentar os seus roubos de caixa, cria expedientes para entrar na economia popular.<br />

Como vê, na cidade antiga como no governo moderno, ou soi-dissant moderno, a ditadura<br />

é exercida de várias maneiras, segundo a versatilidade dos economistas, dos tecnocratas,<br />

dos planejadores. Primeiro pode ser imposta pela truculência. Depois, poderá ser exercida,<br />

de forma aparentemente suave, pela fiscal. A ditadura fiscal é sempre sintoma do fracasso<br />

da economia de uma nação. Quando a gente lê Montesquieu, e perlustra pelo Espírito das<br />

Leis, vai compreendendo melhor os fenômenos angolanos, portugueses, brasileiros ou<br />

argentinos.<br />

«Poucas são as leis <strong>que</strong> não são boas quando o Estado não perdeu os seus princípios».<br />

Cumpre examinar as estruturas dos Estados, para se chegar à<strong>que</strong>la conclusão de Epicuro,<br />

quando se referia às ri<strong>que</strong>zas: «Não é o licor <strong>que</strong> está estragado: é o vaso». Portanto, vamos<br />

nos situar e situar os nossos respectivos Estados. Quando uma república se corrompe – diz<br />

lá o nosso aristocrata autor das Cartas Persas – só se pode remediar alguns dos seus males<br />

nascentes suprimindo a corrupção e estimulando os princípios: qual<strong>que</strong>r outra correção é<br />

inútil ou um novo mal. Veja você <strong>que</strong> nada de original nesses governos, a não ser os males<br />

<strong>que</strong> se renovam ou são criados. Vivemos muito mais intelectualmente os países socialistas<br />

do <strong>que</strong> é a própria realidade desses mesmos países. O nosso socialismo é ideal, o deles é<br />

o <strong>que</strong> quase sempre decepciona o nosso. Mas acreditamos. E é bom acreditar <strong>que</strong> um dia

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