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1356 - Bernard Cornwell

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nós.<br />

O rei passou os dedos na ponta da flecha. Antes ela medira 10<br />

centímetros, era lisa e afiada, mas agora estava amassada e esmagada. De<br />

modo que não havia penetrado no peitoral.<br />

— Temos um ditado, senhor — disse o rei —, de que uma<br />

andorinha só não faz verão.<br />

— Temos o mesmo ditado, sire. Mas olhe para ela!<br />

O tom peremptório do escocês irritou o rei, que tinha pavio<br />

notoriamente curto, mas ele conseguiu controlar a raiva. Passou o dedo pela<br />

ponta de flecha amassada.<br />

— Você está me dizendo que ela foi malfeita? Uma flecha? Sua<br />

fera simplesmente teve sorte.<br />

— Eles fazem flechas aos milhares, sire. — Agora Douglas estava<br />

falando em voz baixa, mais sério do que professoral. — Cada condado na<br />

Inglaterra tem o dever de fazer certo número de flechas. Alguns homens<br />

cortam a madeira, outros aparam as hastes, outros coletam penas de<br />

ganso, alguns fervem a cola, e ferreiros fazem as pontas. Centenas de<br />

ferreiros, por todo o território, forjando pontas aos milhares, e todas essas<br />

coisas, as hastes, as penas e as flechas, são coletadas, montadas e<br />

mandadas para Londres. Agora, uma coisa que eu sei, sire, é que, quando a<br />

gente faz as coisas às centenas de milhares, elas não são tão bem-feitas<br />

quanto um único objeto feito por um artesão. O senhor come em pratos de<br />

ouro, sire, o que está certo, mas seus súditos comem em pratos de argila<br />

barata. Os pratos deles são feitos aos milhares e se quebram com<br />

facilidade. E as flechas são mais difíceis de fazer do que tigelas e pratos!<br />

O ferreiro precisa avaliar a quantidade de ossos que coloca na fornalha, e<br />

quem vai garantir que ele fez isso, para começo de conversa?<br />

— Ossos? — perguntou o rei. Estava fascinado com o que Douglas<br />

dizia. Será que era mesmo assim que os ingleses faziam as flechas? Mas<br />

de que outro modo seria? Eles disparavam centenas de milhares numa<br />

única batalha, por isso elas precisavam ser feitas em números gigantescos,<br />

e sem dúvida isso exigia organização. Tentou se imaginar fazendo algo<br />

assim na França, e suspirou com a impossibilidade do pensamento. —<br />

Ossos? — perguntou de novo, em seguida fez o sinal da cruz. — Parece<br />

feitiçaria.<br />

— Se o senhor fundir ferro numa fornalha, sire, terá ferro, mas se<br />

acrescentar ossos ao fogo terá aço.<br />

— Eu não sabia.<br />

— Dizem que os ossos de uma virgem fazem o melhor aço.<br />

— Acho que faz sentido.<br />

— E as virgens são raras, mas os seus armeiros, senhor, cuidam<br />

bem do aço. Fazem bons peitorais, bons elmos, boas grevas. A ponto de<br />

parar uma flecha inglesa barata.<br />

O rei balançou a cabeça. Precisava admitir que o que o escocês<br />

dizia fazia sentido.<br />

— O senhor acha que temos medo demais dos arqueiros ingleses?

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