DIÃRIO OFICIAL PODER LEGISLATIVO - Assembléia Legislativa do ...
DIÃRIO OFICIAL PODER LEGISLATIVO - Assembléia Legislativa do ...
DIÃRIO OFICIAL PODER LEGISLATIVO - Assembléia Legislativa do ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
2158 - Diário <strong>do</strong> Poder Legislativo Vitória-ES, quarta-feira, 25 de maio de 2005<br />
para qualquer outro segmento, parece que<br />
quan<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> aos negros gera um problema<br />
nacional.<br />
Tem nome isso. Essa súbita reação é<br />
possível de ser explicada. É porque o país é um<br />
país que discrimina. Porque digamos que o<br />
Supremo dissesse, nessa ação que discute a<br />
constitucionalidade das cotas nas universidades<br />
públicas <strong>do</strong> Rio de Janeiro, que elas não<br />
poderiam aplicar a política de ação afirmativa<br />
porque tratar-se-ia de uma política contrária à<br />
Constituição, imediatamente, obviamente, todas<br />
essas outras experiências de ação afirmativa<br />
cairiam por terra. Este é um <strong>do</strong>s problemas que<br />
decorreriam da negativa <strong>do</strong> Supremo para<br />
políticas de inclusão racial no ensino público no<br />
Brasil. Mas há outros.<br />
O Brasil pleiteia, com muito entusiasmo<br />
às vezes, um lugar no Conselho de Segurança<br />
das Nações Unidas. Desde 1968 o Brasil é<br />
signatário de uma série de trata<strong>do</strong>s<br />
.internacionais que prevêem ações afirmativas.<br />
Portanto, o pleito brasileiro também sairia<br />
enfraqueci<strong>do</strong> junto a ONU se o Brasil tivesse<br />
que abrir mão, que denunciar trata<strong>do</strong>s<br />
internacionais importantes que desde os anos 60<br />
já prevêem políticas de ações afirmativas.<br />
Mas há quem diga, afasta<strong>do</strong> o aspecto<br />
jurídico, que a ação afirmativa faz cair o nível da<br />
universidade. Talvez pudéssemos falar um pouco<br />
sobre essa questão <strong>do</strong> nível. Primeiro que alguns<br />
aqui, que são “malungos”, como se diz em<br />
Minas Gerais, têm a mesma idade que eu e há os<br />
que são mais velhos, lembram-se bem que nos<br />
anos 80 o critério para acesso à universidade no<br />
Brasil não era da nota de corte, como é hoje; era<br />
por lista de chamada. Então, tinha a primeira<br />
chamada, a segunda chamada, a terceira<br />
chamada, a quarta chamada. Eu mesmo entrei na<br />
quarta chamada.<br />
É óbvio que quem entrou na quarta<br />
chamada teve uma nota inferior a quem entrou<br />
na primeira chamada. Digamos que quem tenha<br />
entra<strong>do</strong> na primeira chamada tenha tira<strong>do</strong> entre<br />
oito e nove. Quem entrou na quarta chamada,<br />
como foi meu caso, ficou ali no seis e meio, mas<br />
entrou. Nunca ouvi falar que quarta chamada<br />
faria cair o nível da universidade no Brasil. Ou<br />
seja, não é porque o sujeito tem um desempenho<br />
no vestibular, que não é de nível de excelência,<br />
que vai comprometer o desempenho dele em<br />
sala.<br />
Aliás, isto é muitíssimo interessante.<br />
Não sei se vocês já viram um trabalho feito com<br />
estudantes cotistas das universidades estaduais<br />
<strong>do</strong> Rio de Janeiro, que prova o seguinte: meninas<br />
e meninos negros, que não chegam nas<br />
universidade em carros reluzentes e<br />
acompanha<strong>do</strong>s de segurança, que muitas vezes<br />
chegam de chinelo e sem saber se terão dinheiro<br />
para almoçar, têm um desempenho similar e em<br />
alguns casos superior aos que chegam de carros<br />
reluzentes nas universidades.<br />
A etimologia da palavra vestibular.<br />
Vestibular quer dizer o que vem antes. Vocês<br />
sabem que o direito tem uma especial predileção,<br />
às vezes, pelo pedantismo. O processo formalista<br />
tem to<strong>do</strong> um charme no emprego de palavras<br />
nem sempre inteligíveis pela média da<br />
população. Fala-se em petição inicial, em peça<br />
preambular, exordial, especialmente mais<br />
glamorosa, e peça vestibular, porque vestibular é<br />
o que vem antes. O vestibular é a ante-sala <strong>do</strong><br />
ensino superior.<br />
Até 1950 havia no Esta<strong>do</strong> de São Paulo<br />
leis que dificultavam o acesso da população<br />
negra à educação básica, isso comprova<strong>do</strong> por<br />
um historia<strong>do</strong>r. Então, estamos falan<strong>do</strong>, pelo<br />
menos em São Paulo, que há cinqüenta e cinco<br />
anos haviam normas, algumas informais, mas<br />
elas existiam, que impediam o acesso da<br />
população negra à educação básica.<br />
Cinqüenta e cinco anos depois alguém<br />
quer falar em mérito, quan<strong>do</strong> pego um<br />
grupamento que até há cinqüenta e cinco tinha<br />
dificuldade de acesso à educação básica e quero<br />
que esse grupamento tenha o mesmo<br />
desempenho de um outro que está in<strong>do</strong> para a<br />
universidade européia há quinhentos anos. E<br />
querem pretender chamar isto de sistema<br />
meritocrático.<br />
O que os da<strong>do</strong>s da UERJ comprovam<br />
tem a ver com a quarta chamada que eu dizia.<br />
Não há correspondência entre o desempenho na<br />
ante-sala e o desempenho em sala.<br />
Tem uma outra questão, que às vezes<br />
tenho ouvi<strong>do</strong> por aí, que é o mais novo dilema<br />
nacional, que é saber quem é negro no Brasil.<br />
Alguns biólogos estão se dedican<strong>do</strong> a isto. Já<br />
“sacaram” que a humanidade é afrodescendente.<br />
Então os chineses, se viessem para o Brasil,<br />
poderiam também pleitear cotas, porque<br />
poderiam se apresentar como afrodescendentes.<br />
Agora virou um dilema. O que vão fazer? Parece