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DIÁRIO OFICIAL PODER LEGISLATIVO - Assembléia Legislativa do ...

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2160 - Diário <strong>do</strong> Poder Legislativo Vitória-ES, quarta-feira, 25 de maio de 2005<br />

essa pele, por que os brancos têm esse cabelo, a<br />

criança não saberá explicar.<br />

Os psicólogos dizem que as crianças<br />

precisam explicar o mun<strong>do</strong>. Como a genética na<br />

disciplina de ciências não explica isso para as<br />

crianças, o ane<strong>do</strong>tário explica. Lembro-me das<br />

piadas que ouvi e lembro-me das piadas que meu<br />

filho ouviu e ouve ainda hoje em sala de aula.<br />

Uma delas é que to<strong>do</strong>s eram pretos; Deus<br />

man<strong>do</strong>u que to<strong>do</strong>s tomassem banho. Os brancos,<br />

como são inteligentes, cuida<strong>do</strong>sos, heróicos por<br />

patrimônio genético, tomaram banho de corpo<br />

inteiro e os negros, como seriam geneticamente<br />

inferiores, apenas botaram as palmas das mãos e<br />

<strong>do</strong>s pés e por isso só essa parte é branca.<br />

Podemos talvez imaginar o impacto<br />

sobre o equilíbrio, a inteireza, a estrutura<br />

psíquica de uma criança que é comparada<br />

diariamente na escola à condição de selvagem. É<br />

o macaco que o joga<strong>do</strong>r de futebol Grafite ouviu<br />

em campo. As crianças são particularmente<br />

diretas no que diz respeito ao que elas pensam<br />

sobre o mun<strong>do</strong> e o ane<strong>do</strong>tário no Brasil ainda<br />

insiste em destituir os negros da condição<br />

humana.<br />

Uma outra questão que os psicólogos<br />

também vêm estudan<strong>do</strong> é que até hoje o primeiro<br />

impacto que a criança negra tem na escola<br />

pública no Brasil e privada também é na<br />

condição de escravo. É óbvio que essa<br />

interpretação <strong>do</strong> que a pessoa foi no passa<strong>do</strong> é<br />

um sinaliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que ela pode vir a ser no<br />

futuro. Se ela foi objeto da história, se ela não<br />

tem marco civilizatório nenhum que seja<br />

relevante para o mun<strong>do</strong>, se ela não tem um<br />

patrimônio jurídico e político no seu continente<br />

de origem, se ela inclusive aju<strong>do</strong>u os brancos a<br />

escravizar, se ela era dócil diante <strong>do</strong> escravismo,<br />

se afinal de contas a sua religião não é religião, a<br />

sua cultura não é cultura, isto é um sinaliza<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> que ela pode vir a ser no futuro.<br />

Portanto, o que se conta sobre o passa<strong>do</strong><br />

de um grupo para uma criança é um pouco a<br />

baliza <strong>do</strong> que se diz que ela pode vir a ser. Não é<br />

o fato de ter o equipamento público, escola, que<br />

garante uma educação que assegure a todas as<br />

crianças, negras e brancas, em iguais condições<br />

de desenvolvimento de suas potencialidades.<br />

Também não é possível dizer: “Então,<br />

vamos fazer ambas as medidas. Vamos mudar a<br />

educação básica. Vamos assegurar<br />

miseravelmente que a melanina chegue ao<br />

currículo escolar. Vamos miseravelmente pensar<br />

no discurso que a historiografia clássica no<br />

Brasil construiu sobre a condição de ser negro e<br />

ser branco no Brasil e vamos também<br />

impulsionar o acesso da juventude negra ao<br />

ensino superior.”<br />

O Brasil, com certeza, ganha em termos<br />

de talentos que muitas vezes ao invés de terem a<br />

possibilidade de se desenvolverem plenamente<br />

são talentos, empurra<strong>do</strong>s para a criminalidade,<br />

para o alcoolismo, para o vício, etc. O Brasil<br />

ainda não mediu o impacto que a experiência<br />

prolongada de uma pessoa à discriminação pode<br />

causar.<br />

Lembramo-nos de um tio que morreu de<br />

alcoolismo. A obsessão que ele tinha, no<br />

cotidiano, era explicar a sua condição racial.<br />

Éramos criança, e freqüentemente ele lembrava<br />

às pessoas nas conversas de que era um homem<br />

negro e o quanto aquilo marcava profundamente<br />

a sua relação com o mun<strong>do</strong>.<br />

Portanto, não nos parece que o Brasil<br />

perca algo. Ao contrário, parece-nos que este<br />

País ganha em muito quan<strong>do</strong> uma universidade,<br />

com a reputação da Universidade Federal <strong>do</strong><br />

Espírito Santo, o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo<br />

dispõem-se a discutir esse tema. Porque, às<br />

vezes, assusta-nos o fato de que a academia no<br />

Brasil, a universidade tem dificuldades para lidar<br />

com a dúvida.<br />

Parece que a universidade seria um<br />

espaço em que a pessoa só poderia referir-se às<br />

certezas da vida. Notem que a academia, que, a<br />

rigor, deveria ser um espaço de questionamentos,<br />

alguns pretendem tornar a academia um<br />

cemitério de idéias. Se a academia no Brasil<br />

abre-se para discutir esse tema pelo papel de<br />

liderança que ela tem no Brasil, que as<br />

universidades públicas, o papel de liderança que<br />

as universidades públicas desempenham na<br />

formação de quadro <strong>do</strong>s cidadãos, de quadros<br />

técnicos de pesquisa<strong>do</strong>res, não temos nenhuma<br />

dúvida de que daremos um grande passo no<br />

senti<strong>do</strong> de contribuir para aprofundar a<br />

democracia brasileira.<br />

Hoje, dávamos uma entrevista na<br />

companhia <strong>do</strong> professor Joaquim Beato, que nos<br />

deixou absolutamente avexa<strong>do</strong>, uma criatura<br />

com uma cultura invejável. E não pudemos dizer<br />

para o ouvinte o que podemos dizer agora.<br />

Talvez os pobres - fazen<strong>do</strong> aqui uma figura de<br />

linguagem - pudessem mandar um e-mail aos

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