O Papel da Informação Geográfica na Sociedade - Instituto ...
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Destaque<br />
8<br />
Uma história do passado<br />
Há pouco mais de 200 anos, um eminente matemático e<br />
astrónomo português, ao ser nomeado pelo governo para<br />
lançar as bases <strong>da</strong> moder<strong>na</strong> Cartografia, aventurou-se, antes<br />
de tudo, à descoberta do país. Era preciso começar por<br />
saber onde se situavam as montanhas principais e o que se<br />
avistava de ca<strong>da</strong> topo relevante, bem como encontrar uma<br />
planície de dimensão suficiente a sul do território e outra<br />
a norte, com vista a estabelecer um esquema adequado<br />
de triângulos e as bases para as medições geodésicas. Ele,<br />
Francisco António Ciera (1763-1814), ao partir para a sua<br />
primeira expedição geográfica de reconhecimento, levava<br />
<strong>na</strong> mão uma carta espanhola então muito em voga. Nela,<br />
o relevo era figurado por curiosos montículos, alinhados no<br />
espaço disponível entre os cursos de água, sem grande correspondência<br />
com a imagem que hoje temos deste aspecto<br />
<strong>da</strong> fisionomia do País: a densi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s formas desenha<strong>da</strong>s<br />
a sul do Tejo sugeria contrastes com o desconhecido vazio<br />
<strong>da</strong> Cordilheira Central e com as ignora<strong>da</strong>s regiões do Douro<br />
e Minho.<br />
Nesse distante Outono de 1790, partira de Lisboa em direcção<br />
a Évora e, <strong>da</strong>í, começou por procurar a imaginária<br />
Serra de S. João, tão representa<strong>da</strong> <strong>na</strong>s cartas <strong>da</strong> época: “Em<br />
Alcáçovas ninguém houve que desse notícia <strong>da</strong> Serra; porém,<br />
informando-me dos sítios mais altos, que <strong>na</strong>s vizinhanças se<br />
conheciam, achei que a de Nossa Senhora <strong>da</strong> Esperança,<br />
situa<strong>da</strong> no cume de um monte, era o ponto mais elevado;<br />
parti, pois, sem per<strong>da</strong> de tempo para o dito lugar e, depois<br />
de 2 horas de caminho a pé extremamente penoso pela<br />
muita calma que então se experimentava nesse sítio, como<br />
também por an<strong>da</strong>r sempre por um terreno de estevas que<br />
formava um mato muito denso, cheguei à Ermi<strong>da</strong>. Porém,<br />
os horizontes acinzados, que não permitiam observar os<br />
objectos ao longe, frustraram todo o trabalho. Vendo-me<br />
pois obrigado a esperar por dias claros, e isto numa terra<br />
onde quase todos os habitantes padeciam então de sezões,<br />
tomei o partido de continuar a viagem e procurar algum<br />
outro ponto. A vila de Ferreira representa-se <strong>na</strong> carta como<br />
situa<strong>da</strong> num grande alto. Dirigi o caminho para esta vila,<br />
aonde cheguei no dia 16, ao meio-dia. Esta viagem foi muito<br />
cheia de incómodos e ia sendo funesta para mim e um<br />
aju<strong>da</strong>nte que, por não se terem achado cavalgaduras, me<br />
acompanhava em caleça, a qual <strong>na</strong> noite antecedente perdendo<br />
o prático o caminho tombou numa cova e por um<br />
feliz sucesso, que raríssimas vezes costuma ter lugar em<br />
semelhantes casos, não sofremos incómodo que impedisse<br />
continuar. Ferreira não é, como se representa <strong>na</strong> carta, um<br />
grande alto (…)”.<br />
laoret fare<br />
A descrição que fez <strong>da</strong>s duas viagens, primeiro pelo sul, em<br />
fi<strong>na</strong>is de 1790, e depois a norte de Lisboa, <strong>na</strong> Primavera do<br />
ano seguinte, provam bem que o plano <strong>da</strong> primeira rede<br />
de triangulação teve que ser gizado no terreno, escalando<br />
penosamente as montanhas com os instrumentos, e não<br />
planeado sobre uma carta, como hoje <strong>na</strong>turalmente se faria.<br />
E as dificul<strong>da</strong>des foram ain<strong>da</strong> maiores no norte de Portugal,<br />
quando pretendeu referenciar as serras que avistava no Minho<br />
e em Trás-os-Montes, quase desconheci<strong>da</strong>s. Mas a carta<br />
de Tomás Lopez, de que Ciera se servia, não permitia <strong>da</strong>r<br />
uma ideia, mesmo que aproxima<strong>da</strong>, do relevo de Portugal.<br />
Das três primeiras expedições geográficas (1790-91) resultou<br />
uma carta que o próprio Ciera construiu (Fig.1), que nos<br />
testemunha hoje onde ele pretendeu inicialmente realizar<br />
as suas observações geodésicas, as primeiras à escala do<br />
país, com vista à medição do grau de meridiano e, sobretudo,<br />
à elaboração <strong>da</strong> primeira carta topográfica detalha<strong>da</strong> de<br />
que estava encarregado (DIAS, no prelo) 1 .<br />
Nesta época, as alturas <strong>da</strong>s montanhas portuguesas eram<br />
ain<strong>da</strong> completamente desconheci<strong>da</strong>s. Só depois de suspensos<br />
os trabalhos geodésicos, em 1804, Marino Miguel Franzini<br />
apresentaria (ca.1808), por dedução a partir dos ângulos<br />
medidos <strong>na</strong>s triangulações efectua<strong>da</strong>s sob a direcção de<br />
Ciera, as alturas de uma deze<strong>na</strong> e meia de locais. Na carta<br />
hidrográfica que aquele publicaria em 1811, alguns pontos<br />
relevantes ao longo <strong>da</strong> costa apareciam já assi<strong>na</strong>lados com<br />
essas alturas. Estes e outros valores, nem sempre coincidentes<br />
por dependerem <strong>da</strong> sua proveniência, seriam sistematizados<br />
e graficamente apresentados, em 1824, pelo Barão de<br />
Eschewege (Fig.2), mostrando, por exemplo, que a Serra do<br />
Soajo era considera<strong>da</strong> a mais alta de Portugal, com 2400 m<br />
(1335 m <strong>na</strong>s cartas actuais, a ser ver<strong>da</strong>de tratar-se <strong>da</strong> serra<br />
1 Trabalho desenvolvido no quadro do Projecto SIDCarta / Sistema<br />
de Informação para Documentação Cartográfica: o Espólio <strong>da</strong> Engenharia<br />
Militar Portuguesa (POCTI/43111/GEO/2001), aprovado<br />
pela FCT e co-fi<strong>na</strong>nciado pelo FEDER, do qual a autora é Investigadora<br />
Responsável.