Ed.<strong>14</strong> | Vol.8 | N1 | 2010A construção do espaço no filme – o projeto cenográfico (a direçãode arte) –, aparece como um dos elementos que compõe o ambiente para oexercício tanto da criatividade do ator (construção narrativa), quanto do espectador(conexão com a obra). O ambiente deve sugerir, e não ilustrar, oconteúdo dramático através de uma concepção visual marcada pelo equilíbrioe pelo ritmo, utilizando elementos cênicos que sejam essenciais (oportunos)ao desenvolvimento do trabalho do ator no espaço da cena cinematográfica.Como comenta o cenógrafo e diretor italiano Gianni Ratto, em Antitratado deCenografia (1999):Cenografia é o espaço eleito para que nele aconteça o drama ao qualqueremos assistir. Portanto, falando de cenografia, podemos entendertanto o que está contido num espaço quanto o próprio espaço. Acenografia faz parte do instrumental do espetáculo. Ela deve fugir dopersonalismo, do individualismo. (RATTO, 1999, p. 22).53O cenário e os objetos nele contidos não se constituem apenas comoum desenho de um ambiente de uma história, eles fundamentam uma formadramática quando os elementos desenhados são incorporados pelo gesto, pelomovimento e pelo olhar do ator através do enquadramento da câmera. O projetocenográfico é um mapa da trajetória dos personagens em seu processo deprodução de sentido dos objetos que demarcam e justificam a constituição deum acontecimento. Os objetos cênicos fazem parte de uma unidade plástica doquadro de imagem, eles não evidenciam sua forma como uma expressão meramentepictórica, mas como elementos de composição dramática que situame direcionam a imagem no tempo. Diante disto, a pintura aparece como umaarte que oferece um referencial plástico para a construção da imagem do filme.Ratto afirma sobre a influência da pintura no cinema:O cinema, assim como o teatro, deve muito à arte dos grandes mestresda pintura. A composição dos grandes afrescos e das grandes telas deartistas como Rafael, Tintoretto, Rembrandt, Caravaggio, David etcnão pode ter deixado de influenciar as composições dos grandes planosdos filmes históricos, nem as imagens extremamente elaboradas na luz,na cor e na colocação das personagens visualizadas por diretores comoGriffith, Kurosawa, Bergman, DeMille etc. (RATTO, 1999, p. 36).Podemos constatar um paralelo entre o vocabulário plástico do cinemae da pintura no que se refere à cor, formas, contrastes, valores e superfícies, autilização destes elementos sensíveis não representam, no entanto, o espaço, otempo e a ficção da mesma maneira. O material plástico da pintura é da ordemdo pictórico – ele traduz um momento – e o do cinema é da ordem do dramático– ele é elaborado para a construção de uma narrativa, da encenação de umacontecimento. As citações pictóricas empregadas pelo cinema são a base para aarticulação de uma memória instituída no processo de produção do espaço e dotempo da narrativa cinematográfica, a imagem da pintura é um elemento plásticoque passa por uma ressignificação dos princípios espirituais que emanam doobjeto de arte para ser aplicado no contexto semântico da linguagem do cinema.Da janela olho e me envolvo com o mundo
Ed.<strong>14</strong> | Vol.8 | N1 | 2010O jogo de luz e sombra no apartamento de Regina.54O apartamento de Regina, mais especificamente, as salas, são os espaços,lugares nos quais ela vive intensamente a sua solidão, neles podemos perceber ainfluência da pintura na constituição da imagem cinematográfica.A influência da arte realista do pintor Edward Hopper (1882-1967) apareceno uso do jogo de luz e sombra enquanto elemento que integra o designdo ambiente vivenciado por Regina. O realismo de Hopper não se apresentacomo uma mera cópia do que ele observa, mas como uma impressão particularda natureza. As pinturas Eleven A. M. (1926), Room in Brooklyn (1932),Morning in a City (1944), Hotel by a Railroad (1952), Morning Sun (1952), CitySunlight (1954), Western Motel (1957) e Sunlight in a Cafeteria (1958) são obrasque revelam o estilo de Hopper no que se refere à recepção da luz nos espaçosretratados, à solidão de seus personagens e à cidade americana contemporâneacomo temas centrais de sua produção artística.O entrosamento entre a direção de arte e a direção de fotografia resultouem uma qualidade de imagem marcada pelo uso da luz e da sombra quedramatiza o cenário de uma mulher que vive o vazio afetivo. O apartamentode Regina é um “esconderijo” e o lugar onde a realidade de seu abandono enquantomulher, idosa e mãe é demonstrado visceralmente, o ambiente reflete adepressão de uma personagem que utiliza determinados elementos cenográficos(sofá, cadeira e bidê) para se entregar e viver a sua tristeza e solidão. O jogode luz e de sombra – um instrumental pictórico– pontua o estado de abandonoe de “ressonância” de experiências vividas, o uso de uma cor fria (azul) carrega,também, o ambiente de um impressionismo que evidencia a sensação dopersonagem que criou e vive um espaço dramático repleto de memória de umavida em conflito existencial.Da janela olho e me envolvo com o mundo