A antropologia nos diz que não existe um tipo único <strong>de</strong> família e queas diferentes culturas, nas diferentes épocas, foram construindo diferentestipos <strong>de</strong> configurações familiares. Nós sabemos, também, que, a partir darevolução industrial, a família oci<strong>de</strong>ntal vem sendo percebida cada vezmais como lugar da afetivida<strong>de</strong>, lugar psicologizado no sentido <strong>de</strong> ser oespaço do <strong>de</strong>senvolvimento psíquico do sujeito, <strong>de</strong> construção das relaçõesafetivas e da sua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subjetivação. Do ponto <strong>de</strong> vista social, éo lugar on<strong>de</strong> se estabelecem os vínculos jurídicos <strong>de</strong> parentesco e filiação,tornando-se a família a célula que permite o <strong>de</strong>senvolvimento social.Estabelece-se também, a partir daí, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família que apresentacomo característica principal o fato <strong>de</strong> ser “natural”. A “naturalida<strong>de</strong>”implicando na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> as famílias serem constituídas pelos dois sexos eterem finalida<strong>de</strong> procriativa. Pela mesma razão ela é chamada “nuclear”,ou seja, constituída <strong>de</strong> pai e mãe com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar filhos. Naconstrução <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo existe a pressuposição <strong>de</strong> que fecundação,gestação, parto e criação são realizados pelas mesmas pessoas.A primeira reflexão a ser feita é <strong>de</strong> que é preciso se<strong>para</strong>r a fecundaçãoda gestação, do parentesco, da filiação e da parentalida<strong>de</strong>. A fecundaçãoé um ato biológico que po<strong>de</strong> ser feito por meio <strong>de</strong> <strong>uma</strong> relação <strong>sexual</strong> oucom o auxílio das novas tecnologias reprodutivas, ou seja, a fecundaçãopo<strong>de</strong> acontecer, atualmente, <strong>de</strong> várias maneiras, como, por exemplo, aimplantação do óvulo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mulher no corpo <strong>de</strong> outra. O parentescoé a forma como a <strong>socieda<strong>de</strong></strong> coloca <strong>uma</strong> pessoa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadalinhagem. Essa colocação po<strong>de</strong> ser feita consi<strong>de</strong>rando laços sanguíneos,mas po<strong>de</strong> ser feita, igualmente, levando em conta apenas os laços sociais,como é o caso das adoções informais ou legalizadas. A filiação é regrajurídica <strong>de</strong> cada <strong>socieda<strong>de</strong></strong> que confirma essa posição do parentesco.Finalmente, a parentalida<strong>de</strong> é o cuidado cotidiano das crianças exercidopelos cuidadores, que po<strong>de</strong>m ser pais, mães, avós, companheiro/a dopai ou da mãe etc. Quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> exercer a parentalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> não ternenhum vínculo biológico ou legal com a criança, embora o sensocomum consi<strong>de</strong>re esses elementos sempre em conjunto e exercitadospela mesma pessoa. É provável que essa i<strong>de</strong>ia seja um dos maioresimpedimentos <strong>para</strong> se pensar outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> família.Dentro <strong>de</strong>ssas outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> família, existem as famíliasadotivas, que não são configurações novas, as famílias advindas das110
novas tecnologias reprodutivas que, essas sim, são novas, e mais <strong>uma</strong>série <strong>de</strong> situações que são muito interessantes <strong>para</strong> pensar.Por exemplo, no meu trabalho com travestis e transexuais, duasdas entrevistadas tiveram filhos antes das modificações corporais,ou seja, como homens em relações heterossexuais, e pretendiam terfilhos <strong>de</strong>pois das mudanças, como mulheres transgênero, por meioda adoção. O que foi extremamente interessante, e me fez <strong>para</strong>r <strong>para</strong>refletir melhor sobre a maneira como estavam me colocando alg<strong>uma</strong>squestões da pesquisa, se refere ao fato <strong>de</strong> que elas, agora já vivendocomo mulheres, se percebiam pais dos filhos que tinham tido antes dasmodificações corporais e se percebiam mães ou queriam a experiênciada maternida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois das modificações corporais. Na verda<strong>de</strong>, elasconviviam com duas representações <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> – maternida<strong>de</strong>e paternida<strong>de</strong> – no mesmo momento, na mesma pessoa, e isso semmaior conflito.Sabe-se que as famílias formadas a partir das novas tecnologiasreprodutivas, as famílias monoparentais, as recompostas, todas essasconfigurações familiares, <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> maneira, permitem a “recriação daheteros<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>”, pois admitem <strong>uma</strong> ficção <strong>de</strong> procriação. Mesmonas famílias monoparentais, on<strong>de</strong> um dos pais está ausente, encontraseum pressuposto <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> procriativa. Entretanto, nas famíliashomoparentais isso não é possível. As famílias homoparentais são oúnico tipo <strong>de</strong> família on<strong>de</strong> a procriação das pessoas como casal está, apriori, <strong>de</strong>scartada. Penso que vem daí a intensa rejeição a essas famílias,inclusive por gran<strong>de</strong> parte do campo “psi”, na medida em que se tornamuito difícil o rompimento com as concepções tradicionais <strong>de</strong> família.Interessa-nos examinar, nesse encontro, as questões que nosaproximam <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> maneira, do Direito. Essas questões são: aguarda e a adoção <strong>de</strong> crianças por pais/mães homossexuais, travestis etransexuais. As novas tecnologias reprodutivas não são abarcadas pelocampo do Direito. Não existe ainda regulamentação legal sobre elas, oque faz com que a sua realização fique a cargo dos valores pessoais dosmédicos, que fazem ou não os procedimentos em função da maneiracomo encaram ou legitimam a <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> dos pais.A adoção e a guarda invocam o Direito, porém, vê-se que também<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m dos valores pessoais dos juízes, pois muitas vezes <strong>uma</strong> pessoa111
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