homos<strong>sexual</strong>. Aqui, ao que parece, já temos um <strong>de</strong>svio, <strong>uma</strong> patologia.E foi neste momento histórico que nós psicólogos fomos convocadoscomo profissionais a tratar <strong>de</strong>sse “<strong>de</strong>svio” à norma heteros<strong>sexual</strong>. Paravocês terem <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> como esse i<strong>de</strong>ário do século XIX ainda é atual,eu lhes contaria o seguinte. Eu me lembro <strong>de</strong> <strong>uma</strong> capacitação que fuifazer em Mato Grosso do Sul e a psicóloga me dizia: “Havia duas alunasna escola que estavam se beijando, e eu fui conversar com elas. Nãotenho nada contra, mas fui lá conversar com elas na minha sala”. Euperguntei: “Mas por que você foi conversar com elas na sua sala?” Elarespon<strong>de</strong>u: “Por conta <strong>de</strong>ssa coisa, do beijo. Você sabe… a <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>muda, né? Talvez elas não estivessem muito certas do que quisessem e jáestavam se expondo assim na escola”. Eu falei: “Se fossem duas pessoas<strong>de</strong> sexo diferentes, um rapaz e <strong>uma</strong> moça, você conversaria com elas?”Ela disse: “Não!”.É esse discurso homofóbico que secularmente nos autoriza, nóspsicólogos, a achar que existe algum problema com a homos<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>que autorizou essa profissional a ir lá conversar com elas. É a homofobiaque nos faz crer que precisamos ir conversar com aquelas jovens. Comoassim? É fácil enten<strong>de</strong>r. Se fossem um rapaz e <strong>uma</strong> moça se beijando,não passaria pela cabeça da profissional que o tesão que estão sentindopu<strong>de</strong>sse passar, que eles pu<strong>de</strong>ssem mudar <strong>de</strong> “opção”, que a <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> émutante, que as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero transitam. Ninguém chega <strong>para</strong> osfilhos adolescentes, caso estejam envolvidos em práticas heteroeróticas,e diz: “Olha, meu filho, você vai se arrepen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ssa história, talvez vocênão esteja muito certo, você só tem quatorze aninhos, e sua namoradinhatambém. Você vai ver, espere crescer um pouco mais que isso passa. Esseimpulso heteros<strong>sexual</strong> em você vai <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> existir. O que é o correto évocê dar o cu, encontrar um bom homem e adotarem lindas crianças<strong>para</strong> construírem <strong>uma</strong> família”. Ninguém vai fazer isso, concordam? Porquê? Pois existe <strong>uma</strong> heteronormativida<strong>de</strong> constitutiva das relações <strong>de</strong>gênero que nos molda os processos <strong>de</strong> subjetivação. Todos nós fomosmoldados por ela. É inexorável. Assim, a heteronormativida<strong>de</strong> em nósacompanha nossas práticas cotidianas e profissionais. No consultório,por exemplo, vai ser igual. Uma estratégia interessante <strong>para</strong> <strong>de</strong>tectar apresença <strong>de</strong>sta homofobia em nós é inverter as perguntas: “Se não fosseaqui, diante <strong>de</strong> mim, essa pessoa dizendo que é homos<strong>sexual</strong> eu faria a58
ela essa pergunta? Eu estou autorizado a fazer essa pergunta? O que emmim autoriza a fazer esta ou aquela pergunta?”.Há vários autores que falam <strong>de</strong> homofobia, caso queiram <strong>uma</strong><strong>de</strong>finição mais acadêmica sugiro consultarem a obra <strong>de</strong> Daniel Welzer-Lang 31 e a <strong>de</strong> Didier Eribon 32 . Mas há um documentário circulando nainternet (esse nosso gran<strong>de</strong> Parthenon) que eu sugiro a todos acessara partir do YouTube. Chama-se Parágrafo 175. Resumidamente, contaque, quando as forças aliadas chegaram ao campo <strong>de</strong> concentração,inclusive em Auschwitz-Birkenau, a população dita homos<strong>sexual</strong> — que,no caso <strong>de</strong> homens (sexo biológico), era marcada com um triângulorosa e, no caso <strong>de</strong> mulheres (sexo biológico), com um triângulo negro— não foi imediatamente libertada. Por quê? Porque o parágrafo 175do Código Prussiano, que só caiu em <strong>de</strong>suso na Alemanha em 1994,ainda vigorava. Tal parágrafo consi<strong>de</strong>rava a homos<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> umcrime. Assim, as Forças Aliadas, alegando respeito a àquele parágrafo,mantiveram, inicialmente, essas pessoas nos campos <strong>de</strong> concentração.Libertaram os ju<strong>de</strong>us, libertaram os negros, os ciganos e outras minorias,mas <strong>de</strong>ixaram os homossexuais lá, porque optaram por respeitar essalei. O que os autorizou, em pleno fim da guerra, a “respeitar essa lei”?Não creio ter sido, no fundo, a crença na valida<strong>de</strong> ou legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssalei, mas sim o respeito à heteronormativida<strong>de</strong>. Ali, naquele momento,as Forças Aliadas optaram por punir os homossexuais por <strong>de</strong>srespeito aessa normativa heteros<strong>sexual</strong> assimilada, internalizada como lei. A que(ou a quem) serve essa lei? Essa norma, vivida como lei, serve ao projeto<strong>de</strong> Estado que se inicia com o cristianismo, mais especificamente com o<strong>de</strong>clínio do Império Romano. Porém, isso seria <strong>uma</strong> história <strong>para</strong> outramesa, mas é importante lembrar que a homos<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> é <strong>uma</strong> práticaerótico-<strong>sexual</strong> que não resulta em procriação. Por isso, também, ela éameaçadora aos projetos <strong>de</strong> nação <strong>de</strong> diversos períodos históricos.Retomando o ocorrido na II Guerra Mundial, essa homofobiaestá encalacrada em nós, leva-nos a atos <strong>de</strong> horror como esse, queapren<strong>de</strong>mos a achá-la “normal”, pois natural. Estamos acost<strong>uma</strong>dos a31 Daniel Welzer-Lang. La face cachée du masculin. In: Michel Dorais, Pierre Duttey, Welzer-Lang (dir). La perus <strong>de</strong>l’autre en soi. Montreal, VLB, 1994.32 ERIBON, Didier (2008). Reflexões sobre a questão gay. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Companhia <strong>de</strong> Freud.59
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