sobretudo, reguladores, e neste sentido aponta Michel Foucault (1988: 135)“<strong>uma</strong> <strong>socieda<strong>de</strong></strong> normalizadora é o efeito histórico <strong>de</strong> <strong>uma</strong> tecnologia <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r centrada na vida”. A vida como objeto político surge como resistênciaaos sistemas que tenta controlá-la e, neste sentido, foi a vida e não o direitoque se tornou objeto das lutas políticas. A esse respeito, o autor afirma queO direito à vida, ao corpo, à saú<strong>de</strong>, à felicida<strong>de</strong>, à satisfaçãodas necessida<strong>de</strong>s, o “direito” acima <strong>de</strong> tudo, acima <strong>de</strong> todas asopressões ou “alienações”, <strong>de</strong> encontrar o que se é e tudo o que sepo<strong>de</strong> ser, esse “direito” tão incompreensível <strong>para</strong> o sistema jurídicoclássico, foi a réplica política a todos esses novos procedimentos<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que, por sua vez, também não fazem parte do direitotradicional da soberania. (FOUCAULT, 1988: 136 )Desta forma, o sexo surge como foco <strong>de</strong> disputa política.O sexo se encontra na articulação entre os dois eixos que <strong>de</strong>senvolveram astecnologias políticas: as disciplinas dos corpos – a<strong>de</strong>stramento, intensificação/distribuição das forças, ajustamento/economia das energias; a regulação daspopulações – vigilâncias infinitesimais (epi<strong>de</strong>miológica e moral), controlesconstantes, or<strong>de</strong>nações espaciais, exames médicos/psicológicos.Marcados por esses dispositivos <strong>de</strong> controle e regulação, a partir doséc. XIX, a <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> foi investigada em cada existência, explorandocada <strong>de</strong>talhe: por meio da análise das condutas, dos materiais oníricos,as pequenas <strong>de</strong>srazões, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, tornando-se a chave daindividualida<strong>de</strong>, mediante a qual po<strong>de</strong>ria ser analisada e entendida suaconstituição. Como consequência <strong>de</strong>ssa lógica, Michel Foucault e RichardSennett (1988 A) afirmam que não é possível pensar a subjetivida<strong>de</strong> forados domínios da <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>. Torna-se tema das operações políticas eeconômicas (incitação/controle da procriação) e <strong>de</strong> campanhas i<strong>de</strong>ológicas<strong>de</strong> moralização e responsabilização dos <strong>de</strong>svios cometidos pela população.De modo clarificador, Michel Foucault (1988: 137) <strong>de</strong>marca que “<strong>de</strong>um polo a outro <strong>de</strong>ssa tecnologia do sexo, escalona-se toda <strong>uma</strong> série<strong>de</strong> táticas diversas que combinam, em proporções variadas, o objetivo dadisciplina do corpo e o da regulação das populações”.Nos últimos dois séculos, quatro gran<strong>de</strong>s linhas <strong>de</strong> ataque forampriorizadas pela política do sexo, compondo, assim, as tecnologiasdisciplinares e os procedimentos reguladores:92
* Histerização do corpo da mulher: diagnosticado como um corposaturado <strong>de</strong> <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>, ganha status <strong>de</strong> patologia a ser tratada, ecurada, <strong>para</strong> que possa cumprir com as obrigações que assegurem <strong>uma</strong>educação saudável a seus filhos, a solidificação da instituição familiar ea salvação da <strong>socieda<strong>de</strong></strong>.* Pedagogização do sexo da criança: campanha pela saú<strong>de</strong> daraça – a <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> precoce (onanismo, curiosida<strong>de</strong>), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séculoXVIII até o fim do século XIX, era vista como ameaça epidêmica quepo<strong>de</strong>ria comprometer o futuro da saú<strong>de</strong> da vida adulta, da <strong>socieda<strong>de</strong></strong> eda espécie. Os pais, a família, os educadores, os médicos e, mais tar<strong>de</strong>, ospsicólogos, <strong>de</strong>vem encarregar-se continuamente <strong>de</strong> atenção e cuidadossobre o germe <strong>sexual</strong> precioso, perigoso e em perigo.* Socialização das condutas <strong>de</strong> procriação: socialização econômicae política mediante a responsabilização dos casais relativamente a todo ocorpo social (estimulação/redução), perante a fecundida<strong>de</strong> e o aumentopopulacional, assim como socialização médica dos valores patogênicosatribuídos às práticas <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong>, com relação ao indivíduoou à espécie.* Psiquiatrização do prazer perverso: em parceria com amedicalização da <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> análise das condutas sexuais, foipossível estabelecer diferenciações entre o que seria visto como da or<strong>de</strong>mda normalida<strong>de</strong> e o que seria patogênico, estabelecendo as respectivastecnologias <strong>de</strong> correção, <strong>de</strong> modo a promover a<strong>de</strong>stramentos individuais.Em <strong>uma</strong> <strong>socieda<strong>de</strong></strong> organizada, durante muito tempo, a partir <strong>de</strong>sistemas <strong>de</strong> alianças, que fortalecem vínculos consanguíneos, que sediferencia em or<strong>de</strong>ns e castas, com valores <strong>de</strong> linhagem, assim comoa morte iminente provocada pela fome, pela peste, pelas epi<strong>de</strong>mias,o sangue se tornou um dos valores fundamentais na organizaçãosocial, econômica e política das populações: <strong>socieda<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> sangue,<strong>de</strong>rramamento <strong>de</strong> sangue, sangue nobre.Na <strong>socieda<strong>de</strong></strong> contemporânea, por sua vez, o que vemos é a prevalênciado sexo e da <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>, os mecanismos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r se dirigem ao corpo,93
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