achar que isso é natural, ao ponto <strong>de</strong> chegar lá na Segunda Guerra enão terem imediatamente libertado os homossexuais dos campos <strong>de</strong>concentração. Vejam, isso ilustra que a patologia não está (inscrita) nahomos<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>, mas na homofobia que produz atos <strong>de</strong> discriminaçãoinsanos como esse.Então, eu consi<strong>de</strong>ro a homofobia um dispositivo <strong>de</strong> regulação econstrução dos gêneros, antecessor mesmo a essa heteronormativida<strong>de</strong>porque é a primeira quem irá regular o nível, o grau, a intensida<strong>de</strong> dasegunda. Está aí <strong>uma</strong> discussão <strong>para</strong> quando abrirmos <strong>para</strong> o <strong>de</strong>bate.Expressões da homofobiaO conceito homofobia comporta outros conceitos, importantestambém, que dizem respeito à violência contra a mulher, ou antes,àquilo que é consi<strong>de</strong>rado feminino nos corpos. E eu diria também que,a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong> leitura marxista, <strong>de</strong> classes e <strong>de</strong> hierarquias sociais, aviolência contra a criança. A homofobia é expressa na linguagem a partirdas piadinhas, <strong>de</strong> insultos, <strong>de</strong> violência física também. A homofobiafunciona, citando um conceito <strong>de</strong>leuziano, como “máquina abstrata <strong>de</strong>codificação” <strong>para</strong> a construção do masculino e do feminino. Uma leiabstrata <strong>de</strong> codificação dos corpos que resulta, claro, em valoração <strong>de</strong>corpos que “importam” versus corpos que “não importam”, <strong>para</strong> citarJudith Butler 33 . Essa lei se encarna, se materializa, por exemplo, nosdiscursos jurídicos. Vejam, as pessoas homossexuais não são protegidaspela lei 34 , ao contrário, em muitos países, suas formas <strong>de</strong> amar, <strong>de</strong> praticarsexo, as con<strong>de</strong>nam à morte ou à prisão perpétua 35 .33 Cf. BUTLER, Judith. Proibição, psicanálise e a produção da matriz heteros<strong>sexual</strong>. In: Problemas <strong>de</strong> gênero: feminismoe subversão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Tradução <strong>de</strong> Renato Aguiar. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. pp. 61-118.34 Para conferir quais são essas leis, sugiro consultar o site do Grupo Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito,Solidarieda<strong>de</strong>, Amor). Segundo eles, o grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da cidadania LGBT Leões do Norte, <strong>de</strong> Pernambuco, publicou<strong>uma</strong> lista dos direitos civis negados a homossexuais por não po<strong>de</strong>rem se casar. A lista correspon<strong>de</strong> à legislaçãonacional e não leva em conta os avanços avulsos e isolados <strong>de</strong> alguns estados brasileiros. Confira: http://corsa.wikidot.com/78direitosnegados35 Países on<strong>de</strong> as relações sexuais entre pessoas <strong>de</strong> mesmo sexo são punidas com pena <strong>de</strong> morte: Afeganistão,Arábia Saudita, Irã, Sudão. Ou seja, Estados não laicos, portanto, não organizados pelo “direito” do ser h<strong>uma</strong>no,mas pela “verda<strong>de</strong> da palavra” religiosa. Por isso, mais <strong>uma</strong> vez, aponto <strong>para</strong> o fato <strong>de</strong> que o campo problemáticoaqui é a “verda<strong>de</strong>” que esta prática homofóbica na <strong>Psicologia</strong> tenta instituir como lei. Assim, nosso problema é coma verda<strong>de</strong>, seja ela nas ciências, seja ela na religião. Em síntese, com o problema do discurso verda<strong>de</strong>iro.60
No Brasil, não sei se sabem, a homos<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> é con<strong>de</strong>nada pela lei nasForças Armadas com punições que variam <strong>de</strong> prisão a expulsão da corporação.Na <strong>socieda<strong>de</strong></strong> brasileira, a população homos<strong>sexual</strong> está totalmente à reveliado bom discernimento <strong>de</strong> alguns juízes. Um discernimento nem sempreinspirado por <strong>uma</strong> reflexão crítica da soberania da norma heteros<strong>sexual</strong>em relação aos direitos e à cidadania das pessoas. Um discernimento que,certamente, não se alcança a partir <strong>de</strong> capacitações, pois não se discuteisso na graduação e tampouco se oferecem cursos <strong>de</strong> capacitação sobre<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> <strong>para</strong> juízes. Muito provavelmente, os juízes que já conce<strong>de</strong>ramdireitos às pessoas LGBTIQ talvez tenha aprendido que a norma heteros<strong>sexual</strong>não tem estatuto <strong>de</strong> lei e não <strong>de</strong>ve, portanto, ser soberana aos direitosh<strong>uma</strong>nos e cívicos <strong>de</strong> um cidadão, a partir <strong>de</strong> questões pessoais, ou seja,por terem um parente homos<strong>sexual</strong> ou contato (direto ou vicário) comexperiências homofóbicas que os <strong>de</strong>ixaram perplexos. Nesses casos, ten<strong>de</strong>ma não reproduzir a homofobia. Mas, vejam, estamos falando <strong>de</strong> direitos quesão comuns àqueles e àquelas que se subjetivam <strong>de</strong> modo heteros<strong>sexual</strong>,mas que não são acessíveis aos que diferem <strong>de</strong>ste modo <strong>de</strong> subjetivação.Encontramos ainda a homofobia social, cultural, visível nas normassocioculturais que privilegiam a heteros<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> e que favorecem asopressões <strong>de</strong> gênero.E temos, também, a homofobia interiorizada 36 nas pessoashomossexuais. Gostaria <strong>de</strong> me ater, especialmente aqui, já que o modocomo proponho lidarmos com ela na clínica irá nos diferir do modoofertado pelos nossos colegas da, se me permitem chamar assim,psicoevangelização. É disso que eu vou falar, já me aproximando do fim<strong>de</strong> minha exposição, pensando mais <strong>de</strong>tidamente na clínica com aspessoas que se apresentam a nós como homossexuais ou então comolésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros (LGBT).Homofobia interiorizadaEssa homofobia na prática psi, iniciada no século XIX, vai começarcom alguns estereótipos, ou seja, criou-se o estereótipo do homos<strong>sexual</strong>instintivamente perverso, que é o homos<strong>sexual</strong> promíscuo no sentido36 Para referências acadêmicas sobre a homofobia interiorizada, conferir CASTAÑEDA, Marina. Homofobiainteriorizada. In: A experiência homos<strong>sexual</strong>: explicações e conselhos <strong>para</strong> os homossexuais, suas famílias e seusterapeutas. Tradução <strong>de</strong> Brigitte Hervot e Fernando Silva Teixeira Filho. São Paulo: A Girafa Editora, 2007. pp. 142-173.61
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