acadêmica feita com as travestis transexuais. E eu quero mais exemplos,eu quero mais Williams Peres saindo. Eu brinco lá no Rio e falo quetem muita gente ganhando título <strong>de</strong> doutor com lixo acadêmico.Travestilida<strong>de</strong> e tran<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> são temas ainda muito pouco explorados,em que até a banca examinadora tem pouquíssima experiência do quesejam. Então, se você começar a falar muito e usar alguns termos “euvou te dar nota 10 porque eu acho tão fantástico, nossa você conseguiuchegar perto <strong>de</strong>les e não foi mordido? Então, merece 10. Sei que vocêestá falando e eu não entendo nada”. E aí quando eu vou a alguns lugaresem que tenho a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar em alg<strong>uma</strong>s aulas inaugurais docurso <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>, oportunida<strong>de</strong> como o professor Pedro Paulo já me<strong>de</strong>u, assim como alg<strong>uma</strong>s universida<strong>de</strong>s, as pessoas estão armadas eme <strong>de</strong>screvem “Olha, você e isso e aquilo, você age assim”, e você levaaquele choque. “É sim. Olha quem foi que disse, ele é renomado”. E aíaqueles estudos <strong>de</strong> alguns meses, <strong>de</strong> alguns anos, se sobrepõem aosmeus 35 anos <strong>de</strong> vida. Não é assim.Então, o que nós procuramos é a qualificação, é a parceria, porque euacredito que ninguém vai modificar o mundo sozinho. Nós precisamos <strong>de</strong>várias frentes, só que <strong>para</strong> isso necessitamos: primeiro, da compreensãodo movimento, da necessida<strong>de</strong>, do apoio acadêmico <strong>para</strong> legitimaçãodos seus dados, <strong>para</strong> computar seus dados, <strong>para</strong> centralizá-los; masnós precisamos também da humilda<strong>de</strong> acadêmica <strong>de</strong> respeitar o sabervivencial. Nenhum estudo <strong>de</strong> mestrado, doutorado que exista vai sesobrepor aos meus 30 <strong>de</strong> vivência, 24 horas por dia. Por mais que setenha estudado um grupo gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> travestis durante todas as teses,não dá <strong>para</strong> se com<strong>para</strong>r com o grupo <strong>de</strong> travestis com que eu convividurante toda a minha vida. Então, eu acho que só a junção <strong>de</strong>sses doissaberes nos possibilitará formar bons profissionais que consigam darorientações com vistas à qualida<strong>de</strong> daquela família. Porque o que mepreocupa aqui no Brasil, por exemplo, quando nós falamos <strong>de</strong> menor <strong>de</strong>ida<strong>de</strong>, é o que as pessoas têm <strong>de</strong> entendimento <strong>de</strong> proteção ao menor.Nós vamos falar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> respeito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do menor <strong>de</strong>ida<strong>de</strong> que tem a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, tem o seu gênero constituído, sim. Aspessoas ainda hoje, quando eu falo do porquê da dissociação com ahomos<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> dizem: “Ninguém resolve com quem vai fazer sexomenor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>”. E eu retruco: “Gente, eu, como travesti, posso ir até72
assexuado; eu não estou falando <strong>de</strong> com quem eu vou fazer sexo, euestou falando <strong>de</strong> como a pessoa se i<strong>de</strong>ntifica com o mundo”.Eu agora estou estudando, até <strong>para</strong> po<strong>de</strong>r falar, porque alg<strong>uma</strong>s pessoastêm me pedido sobre isso, sobre a transição da operação <strong>de</strong> rea<strong>de</strong>quaçãogenital com menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que está acontecendo em alguns países.Ainda não tenho opinião formada porque acho que nós precisamosprimeiro enten<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>pois transportar isso <strong>para</strong> a realida<strong>de</strong> brasileira. Eo que inicialmente, assim muito por cima, me pareceu um pouco simples,eu sinto necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar mais, porque achei um pouco simples<strong>de</strong>mais e muito incoerente. Se eu diagnostico em você um pertencimentoà i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> contrária ao seu sexo biológico e entendo que a solução<strong>para</strong> esse entrave é a cirurgia, <strong>para</strong> que vou esperar você chegar aos 18,20 anos, com toda <strong>uma</strong> conformação física masculina consolidada, <strong>para</strong>aí sugerir <strong>uma</strong> intervenção cirúrgica médica? Porque não é só a questãoda cirurgia, mas também da hormonioterapia, da feminilização facial, <strong>de</strong>todo um pacote sobre o qual não se fala. Fala-se da cirurgia, vagina, eparece que a questão é só essa. Não, é todo um pacote, e isso com <strong>uma</strong>pessoa com os caracteres masculinos já <strong>de</strong>senvolvidos, a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssatransformação não será a mesma, a proximida<strong>de</strong> com a aparência dogênero que essa pessoa <strong>de</strong>seja vai ficar muito distante.Então, se realmente isso foi diagnosticado como um caso <strong>de</strong> <strong>uma</strong>mulher estar no biológico masculino, mas ser <strong>uma</strong> mulher, ou estar nobiológico masculino e ser um homem, por que não a intervenção antes<strong>de</strong> a pessoa ter todos aqueles problemas pela modificação?Eu sei que isso aqui seria visto como o cúmulo do absurdo, mas o que seestá pensando realmente é na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da criança inicialmente,porque não se está pensando na moral do pai, na moral da <strong>socieda<strong>de</strong></strong>que não po<strong>de</strong> ser tocada. Em proteção a essa falsa moral, crianças e maiscrianças, pessoas e mais pessoas vão vivendo vidas infelizes, vão tendosuas infâncias suprimidas e roubadas porque não po<strong>de</strong>m pensar comoas outras crianças, pensar em amenida<strong>de</strong>s, em besteira, porque têm <strong>de</strong>ficar tentando resolver seu conflito interno e a ele respon<strong>de</strong>r. Hoje, émuito simples <strong>para</strong> mim. Eu entendo que o problema não é comigo, oproblema é dos outros e a doença está na cabeça dos outros.É muito simples, mas veja como isso é pesado, como isso é cruel <strong>para</strong><strong>uma</strong> criança <strong>de</strong> seis, sete anos que reza toda noite, como eu rezava <strong>para</strong>73
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