Deixando de lado outras variações a<strong>na</strong>líticas sobre o pentecostalismo 9 , nosateremos agora ao seu impacto sobre a subjetividade e as práticas sociais dos seus fiéis.2.1.1. O impacto do Pentecostalismo sobre as subjetividadesNão é desprovido de significado simbólico o fato de o pentecostalismo ser ummovimento religioso conversionista. Embora o termo conversão seja controvertido 10 , ofato é que a adesão a este movimento religioso incide profundamente sobre assubjetividades dos conversos que tendem a adotar um novo estilo de vida e a agregarum novo sentido a ela. Embora isso ocorra em grau variado segundo as exigências decada igreja, nota-se que a maioria delas defende uma nova moral para os seus fiéis queimplica <strong>na</strong> abstenção dos “prazeres do mundo”, como o cigarro, a bebida alcoólica e asfestas profa<strong>na</strong>s, e a conde<strong>na</strong>ção do aborto, do adultério e do homossexualismo, tudo istoinscrevendo-se <strong>na</strong> ruptura simbólica com o “mundo”.Entre os vários efeitos resultantes da condição de crente pentecostal, de berço ouconvertido, destacamos a possibilidade de produção da eficácia terapêutica, sobretudo asuperação do alcoolismo, a abertura do caminho para sair da pobreza, alguma mudança<strong>na</strong>s relações de gênero e um novo estilo de sociabilidade.Com efeito, como vimos, os fiéis das igrejas pentecostais situam-sepredomi<strong>na</strong>mente <strong>na</strong>s camadas desfavorecidas que, como se sabe, tendem a receber departe do Estado um atendimento médico e sanitário precário ao mesmo tempo em quesão sensíveis a um discurso religioso que promete a cura e a “libertação” imediata dasenfermidades, posto que “<strong>na</strong>s regiões abissais da subjetividade coletiva existe umaexpectativa permanente de intervenção divi<strong>na</strong> e arrasadora capaz de transformarradicalmente o contexto de sofrimento e abandono” (Bittencourt Filho, 1994: 25).Além disso, é sobretudo <strong>na</strong>s camadas sociais mais desfavorecidas que oalcoolismo é tido como um dos seus problemas sociais de maior envergadura. SegundoCecília Mariz, as maiores taxas de alcoolismo <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong> situam-se justamenteentre os homens das camadas populares, este fato contribuindo ainda mais para adeterioração da qualidade de vida de uma população já carente. Resulta disso que “aconversão masculi<strong>na</strong> está, em grande parte, relacio<strong>na</strong>da com o alcoolismo” (Mariz,1994: 83), e sua superação está associada a uma importante transformação da suasubjetividade <strong>na</strong> medida em que o pentecostalismo fortalece a auto-estima e a dignidade13
pessoais, profundamente abaladas com a condição de pobreza. Assim, a nova identidadepentecostal é experienciada <strong>na</strong> aquisição de um sentimento de poder - advindosobretudo da condição de convertido e de “eleito no Senhor” - que tem “sua utilidadediferencial no combate ao alcoolismo” (Id. Ibid.: 85).Ao mesmo tempo em que o pentecostalismo detém importância <strong>na</strong> “libertaçãodo alcoolismo”, ele também produz outro importante efeito <strong>na</strong> vida dos seus membros,qual seja, a possibilidade de enfrentamento e mesmo de superação da pobreza. É certoque a conversão não implica automaticamente em deixar a pobreza. Mas, como assi<strong>na</strong>laMariz, se, antes da conversão, “muitos homens gasta(va)m quase todos os seus recursosbebendo”, após a conversão “todos experimentaram um certo progresso materialimeditamente após o parar de beber” (Mariz, 1994: 83). Ou seja, ocorre, de algumaforma, uma poupança compulsória, e se esta for acompanhada pela dedicação aotrabalho, mudança no estilo de vida e racio<strong>na</strong>lização dos recursos fi<strong>na</strong>nceiros, mesmoque escassos, pode, então, contribuir para uma transformação concreta da situação daspessoas (Bittencourt Filho, 1994), até mesmo vencer a pobreza. Mariz também destacaque o sentimento de dignidade e o fortalecimento da auto-estima - que compõem aidentidade do crente, advinda de berço ou da conversão - constituem “requisitos básicos<strong>na</strong> luta para melhoria de vida (...) como motivação individual para ascensão social...”(Mariz, Id. Ibid.: 85).Tais requisitos são reforçados pela predicação da Teologia da Prosperidade(desenvolvida nos Estados Unidos <strong>na</strong> década de 1960 no contexto do televangelismo),posta em prática por muitas igrejas pentecostais que defendem a idéia segundo a qual ocrente além de abençoado pelo Senhor deve ser saudável, próspero e “tomar posse” doque lhe pertence por desígnio divino. Ou seja, <strong>na</strong> linguagem metafórica pentecostal, ocrente deve assumir a condição de “cabeça” e não de “cauda”.Outro aspecto que incide sobre a subjetividade pentecostal radica <strong>na</strong>stranformações associadas às relações de gênero e sua repercussão <strong>na</strong> vida familiar.Considere-se, inicialmente, que neste campo religioso há um predomínio feminino daordem de 56,08% de mulheres contra 43,92% de homens, esta porcentagem podendo serbem maior, por exemplo, de 31% de homens contra 69% de mulheres, <strong>na</strong> pesquisarealizada pelo Instituto Superior de Estudos da <strong>Religião</strong> (ISER), entre os evangélicos daGrande Rio, em 1994 (Novo Nascimento, 1998). Uma explicação para tanto radica nofato de que a "conversão" demandada pelas igrejas pentecostais, e as conseqüentesrupturas em relação ao "mundo", aliada a uma moral de contenção da sensualidade para14
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