Tudo o que precede permite-nos efetuar duas sugestões, complementares entresi, que indicam a conexão do religioso com a coesão social. A primeira destaca o caráterpúblico detido pela religião <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong>. Diz, a este propósito, por exemplo,Regi<strong>na</strong> Novaes: “a religião se inscreve <strong>na</strong> cultura e frequenta o espaço público” (Id.Ibid.). Outro atento observador do campo religioso também defende essa idéia.Regi<strong>na</strong>ldo Prandi sublinha que as religiões se constituem hoje em “importantes espaçospúblicos para populações que tem constrangimentos de expressão, embora cada religiãotrabalhe a seu modo a construção desses espaços” (Prandi, 1996: 28) 28 . Este autor abre asegunda sugestão, ao sublinhar que as populações mencio<strong>na</strong>das não pautam o seucomportamento exclusivamente, ou, sobretudo, pelos ditames da razão; elas detém umamentalidade encantada em que “a religião é de novo identidade, grupo, comunidade...”(Id. Ibid.: 24). Ou seja, enfatisa-se aqui o papel integrador detido pela religião. RobertoBlancarte, ao a<strong>na</strong>lisar o sentido da religião no México e <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong>, põe emrelevo esse aspecto ao enfatizar a “agregación de grupos de pertenencia y de referenciacimentados por el imaginário” (Blancarte, 2000: 10). Enfim, Regi<strong>na</strong> Novaes também éde opinião que “a religião (...) é locus de agregação social” (Novaes, 2002: 64).4.2. <strong>Religião</strong> e política <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong>A participação e a presença religiosa no político institucio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong>é bastante variada e tem oscilado segundo os países e as instituições religiosas. Brasil,Guatemala, Peru, Nicarágua, Argenti<strong>na</strong>, são, por exemplo, alguns paises em que, cadaum a seu modo, nos últimos anos, a aproximação dos dois campos tem sido maisestreita.Como não poderia deixar de ser, historicamente a aproximação entre religião epolítica <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong> ocorreu preferencialmente com a Igreja Católica, <strong>na</strong>stendências ideológicas as mais variadas, indo da “direita” à “esquerda” passando pelo“centro”. Isto significa, no dizer de Jean Meyer, que a Igreja, enquanto instituição, “nemsempre se manteve neutra e ponte de diálogo entre posições que legitimamentepudessem ser consideradas como cristãs”. Ainda segundo este autor, também oscatólicos políticos estão longe de terem defendido uma posição homogênea, pois47
“tem um Deus dos exércitos e um Deus da guerrilha, um Deus dos ditadores eum Deus dos tiranos vermelhos, um Deus terrível e um Deus dos direitos do homem,um Deus capitalista e um Deus indigenista etc...” (Meyer, 2005: 39).Ultimamente, porém, observa-se uma retração católica do político. Sem estarligada a nenhum sistema ou partido político em particular, a Igreja entende que suaintervenção <strong>na</strong> política <strong>na</strong> atualidade se justifica sobretudo quando estão em jogo adefesa dos direitos humanos e questões sociais (Meyer, 2005). A doutri<strong>na</strong> social daIgreja seria a fonte inspiradora da Igreja e dos políticos católicos <strong>na</strong> busca da justiçasocial e <strong>na</strong> defesa dos direitos humanos, sobretudo dos pobres e dos trabalhadores.Diferente é a situação dos evangélicos e sua relação atual com a política emalguns países latino-americanos (Brasil, Guatemala, Peru, México), onde algumasdenomi<strong>na</strong>ções, sobretudo pentecostais, tentam capturar o Estado, segundo a expressãode Sanchis, por vias democraticamente eleitorais, com:“formação de bancadas denomi<strong>na</strong>cioi<strong>na</strong>is, campanhas fundamentadas noscarismas institucio<strong>na</strong>is dos candidatos (o padre fulano, o pastor sicrano, o bispo...fulano, militante carismático), opções oficiais de Igrejas por determi<strong>na</strong>das candidaturas,obediência eleitoral solicitada dos fiéis, partidos com nomes religiosos, perspectivas deconquista do poder executivo no mais alto nível, ambição de transformar através dasconquistas políticas as identidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is: do “Brasil católico”, por exemplo, passara um “Brasil Evangélico” (Sanchis, 2007, inédito).De fato, <strong>na</strong>s últimas décadas os evangélicos, pentecostais sobretudo,abando<strong>na</strong>ram os slogans “tu não participarás” e “crente não se mete em política”, eassumiram os slogans “irmão vota em irmão” e “um crente vota em um crente”(Freston, 2003). Dessa forma, eles encetaram esforços tanto no sentido de inserir seusmembros em cargos eletivos quanto de capitalizar seu potencial político nos períodos decampanha eleitoral. E isto, como no caso do Brasil, mas não somente, tem sido com talênfase que o cientista político Joanildo Burity chega a afirmar que “os partidos ecandidatos que não levam em consideração os grupos religiosos em seu discurso eestratégia correm sério risco de se complicarem ou inviabilizarem eleitoralmente”(Burity, 1997: 46).A explicação para o ingresso evangélico, especialmente pentecostal, <strong>na</strong> políticainstitucio<strong>na</strong>l, recai sobre razões de ordem simbólica e de ordem prática. Ou seja,verifica-se, de um lado, uma leitura pentecostal de que a política está desmoralizadadevido à corrupção, malversação de verbas públicas, apropriação, desvio e uso ilícito de48
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