peronismo: que los de arriba ayuden a los de abajo, y que haya armonia” (Semán, 2000:302-303) 19 .Notamos, portanto, mais um atravessamento, desta vez entre religião e política e,mais especificamente, entre religião e peronismo. Isto se dá ao menos por três razões.Em primeiro lugar porque o peronismo fazia dos aspectos religiosos uma linha especialda sua interpelação ao se apresentar como ema<strong>na</strong>ção da doutri<strong>na</strong> social da IgrejaCatólica, como pensamento cristão e como promotor do verdadeiro cristianismo. Emsegundo lugar, porque o peronismo soube captar uma sensibilidade de base préexistenterecriando uma proposta cristã assentada <strong>na</strong>s experiências de milhares detrabalhadores da Igreja que antes da ascensão de Peron tinham articulado suareligiosidade em termos de projetos sociais enquanto alter<strong>na</strong>tiva ao capitalismo e aocomunismo. Em terceiro lugar, ocorreu outro encontro: o de um imaginário religiosomarcado pela mentalidade cosmológica (holística) e imanente com o peronismoenquanto “formador de uma experiência e como recurso cultural com o que se conta,ainda, <strong>na</strong> hora de fazer religião” (Semán, 2000: 261). Mais especificamente, ascomposições entre peronismo e religião residem <strong>na</strong> interpelação populista, ou seja, <strong>na</strong>constituição da identidade dos grupos populares como “povo”.De fato, no campo religioso popular o “povo” detém uma relativa autonomia, éportador de um saber e conhecimento religioso, relacio<strong>na</strong>ndo-se, por isso mesmo, nãosem conflitos e quase sempre em estado de tensão, com as instituições religiosas e suasinstâncias de poder. Ora, o peronismo fortaleceu a noção de povo (“povo trabalhador”,“povo pobre”, “descamisados”), dando-lhe uma identidade inscrita em oposição àselites. Ou seja, “o povo figurado no discurso peronista era o fundamento da<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lidade, do patriotismo e da moral perante os “não-argentinos” da sociedadeargenti<strong>na</strong> - “oligarcas”, “imperialistas”, “comunistas”, “traidores” etc” (Id. Ibid.: 262).Alem disso, o peronismo “organizou uma cultura que informava gestos do dia-a-dia nosquais as pessoas se reconheciam. A leitura do peronismo como uma “estrutura desentir”, uma formação no nível da cultura vivida” (Id. Ibid.). É neste contexto destainteração cultural que os sujeitos religiosos procedem a um deslocamento de recursos dapolítica para a cultura. Assim, quando os pentecostais se consideram “o povo de Deus”,assumem uma dupla significação, de abençoado e eleito por Deus, mas, também, deglorificado pela interpelação populista <strong>na</strong> condição de “os ´descamisados´ de Deus”,que tem direitos, prerrogativas, possibilidades.23
É neste contexto cultural que para muitos argentinos ainda hoje o peronismo e areligião se qualificam reciprocamente, apóiam-se mutuamente, os elementos auferidosnum campo sendo utilizados em outro, seja ele tanto do pentecostalismo quanto docatolicismo, <strong>na</strong> sua relação com o peronismo. Porém, <strong>na</strong> Argenti<strong>na</strong>, bem como noUruguai, mas diferentemente do Brasil, como veremos, uma tal aproximação não setraduz diretamente <strong>na</strong> eleição de agentes religiosos nos parlamentos. Isto se deve ao fatode que nos dois países platinos,“o sistema eleitoral é comparativamente mais exigente do que o brasileiro emrelação tanto à quantidade de votos necessários à eleição de um deputado quantorelativamente a seu grau de articulação com uma formação política (...). Assim, é aprópria estrutura do sistema político no Brasil que oportuniza a presença das religiõesno parlamento de uma forma mais generosa do que oferece a institucio<strong>na</strong>lidade política<strong>na</strong> Argenti<strong>na</strong> e no Uruguai” (Semán e Martin, 2006: 27-29).Igualmente, outra aproximação importante ocorre <strong>na</strong> Argenti<strong>na</strong> <strong>na</strong> associaçãoentre religião e <strong>na</strong>ção, que formam parte de um contraponto “no qual a religião católicaé um bem “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” e a pátria é tanto uma entidade “sagrada” como objeto debendição” (Semán, 2000: 295). Só que pátria é, acima de tudo, “el pueblo”, “el barrio”,“la gente de aqui” (Id. Ibid.: 298). Aparece, então, outra importante dimensão doencontro do peronismo com a religião, pentecostal ou católica. Trata-se do dever detodos de “ayudar al necesitado”, isto é, <strong>na</strong> ação visando à melhoria da qualidade de vidadas pessoas das camadas mais desfavorecidas. Embora proliferem <strong>na</strong> Argenti<strong>na</strong> asinstâncias informais de ajuda recíproca, elas também existem no âmbito das igrejas,enquanto práticas religiosas não destituídas de referências políticas, sobretudoperonistas.Tais atividades de ajuda que, repito, ocorrem tanto nos meios pentecostaisquanto católicos, expandem-se entre vizinhos e familiares que ao acio<strong>na</strong>r suas redes desolidariedade criam refeitórios infantis, “mantém associações de mulheres quecooperam <strong>na</strong> produção de bens domésticos de consumo próprio e de venda (pão,têxteis)” (Id. Ibid.: 274), organizam serviços de apoio escolar para os seus membros,“concretizaram o projeto de instauração de rádios de freqüência baixa que implicaramum forte envolvimento das suas respectivas comunidades” (Id. Ibid.). Além disso, écomum as igrejas e templos se encarregarem de controlar as vaci<strong>na</strong>ções, a assistênciamédica das crianças em idade escolar; elas também mantém parcerias com as prefeiturase com as associações de moradores dos bairros.24
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