segundo Cristian Parker, consiste “<strong>na</strong>quela ampla produção cultural das classes e grupossubalternos da sociedade” (Parker, 1996). Trata-se de um grande sincretismo em que areligiosidade praticada pelos indíge<strong>na</strong>s e pelos afro-americanos associou-se à doseuropeus, configurarando o chamado “catolicismo popular”, a forma mais típica dereligiosidade popular latino-america<strong>na</strong>, em razão da importância cultural e históricadetida <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong> pelo colonizador e sua religião católica.A religiosidade popular associada ao catolicismo popular detém duascaracterísticas fundamentais. Trata-se de uma religião da imanência e da devoção. Ouseja, ela é portadora de uma mentalidade pragmática e direcio<strong>na</strong>da para o quotidiano,associada à devoção a Nossa Senhora e aos santos (oficiais ou não), em relação aosquais as comunidades, as famílias e mesmo os indivíduos isoladamente, firmam umarelação de aliança que pode se converter em contrato quando se tem em vista aresolução de aflições. Nestas circunstâncias é acio<strong>na</strong>do o princípio do “do ut des’, isto é,acredita-se que a eficácia a ser alcançada depende de uma dádiva dos sujeitos, inscrita<strong>na</strong> lógica sacrificial. Além disso, supõe-se que os indivíduos precisam demonstrarpublicamente sua devoção aos santos, que ocorre especialmente <strong>na</strong>s festas, as quais,como dissemos acima, com suas rezas e ritos, mas também jogos, cantos e danças,constituem simultaneamente importantes momentos de fortalecimento das devoções ecrenças e de integração social.O saber religioso popular <strong>na</strong>sce, via de regra, no âmbito doméstico, com seusaltares, imagens e símbolos religiosos - onde as mães e as avós desempenham um papelpreponderante no processo de socialização de crenças e valores - e é corroborado nosencontros festivos comunitários. Assim, família e comunidade constituem espaços deaprendizagem religiosa e de sociabilidade que, como vimos, podem alcançar níveistrans, extra, ou pluri-denomi<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.É neste contexto que as práticas religiosas dos cidadãos latino-americanosextrapolam o campo cristão, institucio<strong>na</strong>l ou informal, embora seja este, como vimos,preeminente e domi<strong>na</strong>nte. De fato, as expressões religiosas mediúnicas (de matrizafrica<strong>na</strong> ou espíritas), ayauasqueiras (Santo Daime, União do Vegetal, Barquinha),místico-esotéricas, holísticas, neo-pagãs, orientais, judaicas etc, todas elas também seinscrevem <strong>na</strong> dinâmica acima mencio<strong>na</strong>da para o campo cristão, a saber: ao mesmotempo enquanto instâncias que atraem simbolicamente populações que compartilhamsistemas de crenças e enquanto espaços de sociabilidade.45
Novamente recuperando as sugestões de M. Halbwachs, atenta-se para o fato deque tanto em contexto cristão quanto fora dele, as práticas religiosas e os vínculossociais estabelecidos em nome da religião são sempre demarcados no espaço 27 ,produzindo uma veradeira territorialidade sagrada, que é também social, isto é, lugaresdetentores de simbologia religiosa mas que também se constituem em espaços deencontro de sujeitos sociais que compartilham crenças semelhantes. Assim, as igrejas,templos, centros, oratórios, capelas, locais de peregri<strong>na</strong>ção e romaria, cemitérios etc,configuram uma geografia sagrada detentora de sentido religioso e social. Ou seja, aterritorialidade religiosa cumpre simultaneamente o papel de fortificar os universossimbólicos e de congregar as pessoas.Mas, não são somente os tradicio<strong>na</strong>is locais sagrados que cumprem essessentidos. Por exemplo, é comum, especialmente junto às camadas baixas da sociedade,as unidades domésticas transcenderem a condição de ambiente familiar privado eservirem de locais de encontros religiosos. É o caso das moradias dos curandeiros erezadores, dos pastores de peque<strong>na</strong>s igrejas pentecostais, dos líderes ou membros deagrupamentos evangélicos “igreja em célula” e “G12”, de centros mediúnicos eterapêuticos, de grupos de oração carismático e de meditação, que também cumprem adupla função de fortalecimento das crenças dos fiéis e de atração de pessoas, vizinhasou não, que, dessa forma, fortalecem seus laços sociais.Lembremos da católica Mari, dos arredores de Buenos Aires, que ao fazer asimagens da Virgem e de San Cayetano circularem de lar em lar, tece uma rede religiosa,inscrita geograficamente, em que rememora e revivifica a crença nesses santos, mas quetambém fortalece os laços sociais dos seus devotos.Outro aspecto do religioso latino-americano que mostra o seu lado integrativoradica <strong>na</strong> prática do assistencialismo que vigora no interior das associações religiosasem geral. Lembremos novamente do que ocorre nos arredores de Buenos Aires, mas nãosomente ali, com os refeitórios infantis, parcerias com o poder público no âmbitoeducacio<strong>na</strong>l e da saúde (Semán, 2000), e, podemos acrescentar, também as creches, osasilos, os centros de acolhimento, as campanhas de solidariedade etc, que, além deevidenciar a imbricação entre religião, política e assistencialismo, revela a importânciatanto das religiões, oficiais ou não, quanto das iniciativas privadas, de promoverem asolidariedade social e a sociabilidade, que, nos exemplos mencio<strong>na</strong>dos, se dão mediantea participação “social” e “comunitária” no sentido de remediar os problemas dos maisdesfavorecidos.46
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