“se o imaginário religioso era particularmente impreg<strong>na</strong>nte, parece igualmenteque há uma boa dose de confiança <strong>na</strong>s instituições políticas ou mesmo uma boaimpreg<strong>na</strong>ção dos imaginários instituídos do político” (Corten et alii, 2007: 11).Todas essas colocações podem lançar pistas para se compreender a importanteimpreg<strong>na</strong>ção identitária religiosa <strong>na</strong> Venezuela, segundo vimos <strong>na</strong> tabela II, bem comoo não menos importante apoio popular aportado ao seu atual presidente.4. <strong>Religião</strong>, coesão social e política <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong>Quais são as conexões que as religiões têm com a coesão social, quais suasimplicações nos sistemas políticos latino-americanos? perguntávamos acima. Ascolocações feitas até aqui permitem explorar esses temas, inicialmente acerca da relaçãoentre religião e coesão social.4.1. <strong>Religião</strong> e coesão social <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong>Segundo Leo<strong>na</strong>rdo Boff, a importância histórica, cultural, social e política, que aIgreja Católica deteve e ainda têm no Brasil e <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong>, significa que elaintegra o tecido social do subcontinente. Em suas palavras: “a Igreja católica sempre foiem nossa pátria (Brasil) um fator decisivo <strong>na</strong> formação de nossa identidade social. Elapervade capilarmente todo o tecido social” (Boff, 1980: 70).“Não se pode entender a identidade histórica do Brasil e, de modo geral, da<strong>América</strong> Lati<strong>na</strong> sem a presença da evangelização constituinte, como a chama odocumento episcopal de Puebla, feita pela Igreja ao longo de todo nosso processosocial. A religiosidade, particularmente de vertente católica, constitui, agrade ou não aosa<strong>na</strong>listas, uma das estruturas básicas de nossa realidade” (Id. Ibid.: 140).O importante avanço evangélico, sobretudo pentecostal, que se observa <strong>na</strong><strong>América</strong> Lati<strong>na</strong> nos últimos trinta anos, impreg<strong>na</strong> ainda mais, especialmente as camadasdesfavorecidas, da cultura religiosa cristã, sendo esta uma situação bem diferente daEuropa onde, segundo Marcel Gauchet, “assistimos a um esvaziamento irreversível daidéia de uma sociedade cristã, tal como os restos que dela subsistiam permitiam aindade cultivar a nostalgia há algumas décadas” (Gauchet, 2003: 54).Um aspecto que revela a importância do cristianismo no quotidiano dassociedades latino-america<strong>na</strong>s 26 é o fato de um bom número de eventos e de atividadescoletivas, de feriados <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, regio<strong>na</strong>is e locais, assim como a ostentação de símbolos43
eligiosos, mesmo em espaços públicos, serem, em grande medida, ditados pelocristianismo e pautados pelo calendário litúrgico cristão. Uma crônica de RobertoPompeu de Toledo, colunista da revista Veja, relativamente ao Brasil, mas que épassível de extrapolação para outros países latino-americanos, ilustra essa situação. Dizele:"O Estado por aqui não tem religião. Mas tanto a Câmara quanto o Se<strong>na</strong>doexpõem um crucifixo <strong>na</strong> parede atrás das respectivas mesas. Um candidato a presidente,por mais ateu que seja, acaba rezando <strong>na</strong> campanha e comungando no exercício docargo, como se comprovou ainda há pouco. E – característica não só brasileira –decreta-se aqui feriado em dias de festas católicas. (...). Mas que têm a ver judeus emuçulmanos, umbandistas, budistas e membros de outras comunidades religiosas queconvivem sob a jurisdição do Estado laico brasileiro com a Sexta-Feira Santa ou o diade Corpus Christi?" (Roberto Pompeu de Toledo, VEJA, 10/7/2002: 114).De fato no Brasil, mas também <strong>na</strong> maioria dos países latino-americanos, a maiorparte das cidades possui um santo padroeiro, em relação ao qual é celebrada anualmenteuma festa em sua home<strong>na</strong>gem. Além disso, em certas datas associadas à Virgem Maria(Anunciação, Assunção, Conceição etc) e durante a Sema<strong>na</strong> Santa, Natal, Dia de Reisetc, o quotidiano das cidades, sobretudo as de porte pequeno e médio, gira em tornodesses eventos, seja mobilizando as pessoas para assistirem às representações da Paixão,<strong>na</strong> Sexta-feira santa, ou visitando os presépios no Natal, ou participando de rituaiscelebrados <strong>na</strong>s igrejas <strong>na</strong>s datas festivas, ou, simplesmente, comemorando em famíliaessas datas, todas, porém, se constituindo, nesses casos, em importantes referentessimbólicos, baseados <strong>na</strong> tradição cristã.Assim sendo, podemos enfatizar, <strong>na</strong> esteira de Maurice Halbwachs, que todasessas celebrações e rituais religiosos, incluindo as festas religiosas, constituem-se emimportantes momentos de fortalecimento da memória coletiva cristã (Halbwachs, 1971),celebradas em cada momento do calendário cristão. Mas, ao mesmo tempo importasalientar que o encontro coletivo contribui também para a integração social e, até certoponto, para a própria coesão dos grupos sociais que compartilham as mesmas crenças eos mesmos espaços sagrados.No entanto, as práticas religiosas, cristãs ou não, levadas a efeito <strong>na</strong> <strong>América</strong>Lati<strong>na</strong> transcendem aquelas propostas e sustentadas pelas religiões institucio<strong>na</strong>is, emrelação às quais os indivíduos são convocados a se identificarem, como vimos <strong>na</strong> tabelaII.De fato, é muito forte <strong>na</strong> <strong>América</strong> Lati<strong>na</strong>, histórica e presentemente, concepçõese práticas religiosas que conformam o que se denomi<strong>na</strong> de “religiosidade popular”. Esta,44
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