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Obladi, Obladá<br />
(Castelo)<br />
O mendigo da Croisette<br />
Arquivo pessoal<br />
O criativo Wanderley Dóro fez no final de maio uma belíssima homenagem ao Jack Ronc<br />
em sua página do Facebook: a Semana do Jack.<br />
Para quem não é sabe, Jack foi um grande diretor de arte e também um elogiado artista<br />
plástico. Um sujeito muito especial que, por vezes, operava com a singeleza de uma criança.<br />
Mas que, acima de tudo, era alguém que amava o que fazia.<br />
Eu o conheci quando era diretor de criação na Euro RSCG, hoje Havas. Contratei-o para<br />
fazer as campanhas da construtora Even e logo ficamos amigos.<br />
Lembro-me que chamamos o Pedro Souza, à época do atendimento, mas que queria virar<br />
redator, para duplar com ele. Foi uma química muito interessante a dos dois; a experiência<br />
do Jack somada à gana do Pedro.<br />
Jack costumava vir no começo da noite em minha sala com uma foto de referência na mão.<br />
Punha na mesa e começava a contar uma ideia com um forte sotaque interiorano. Depois,<br />
ao final, sempre afirmava, como se fosse um ponto final:<br />
- É Cannes ou não é?<br />
Se a criação fosse aprovada aí ele se transformava num menino de calças curtas.<br />
- Vou ligar pro Cacalo! – anunciava, levantando-se da mesa e brandindo a foto de referência.<br />
E o nosso fotógrafo Cacalo, com quem ele adorava trabalhar, se via às voltas com o<br />
perfeccionismo do Jack na manhã seguinte.<br />
Jack Ronc foi uma das figuras mais carismáticas com quem trabalhei em agência. Um infante<br />
que brincava de layoutar, mas fazia isso, ao mesmo tempo, com a gravidade de um<br />
cirurgião da rainha.<br />
Ainda por cima era um pensador da propaganda. Certa vez me contou um sonho seu em<br />
tom intimista.<br />
Quando estivesse mais velho e as agências não o quisessem mais, pegaria um voo para<br />
Paris e de lá até Nice. Então iria de ônibus até Cannes. Ali se estabeleceria até que suas<br />
economias acabassem. Nesse dia se dirigiria até a Croisette, escolheria um ponto bom da<br />
avenida e passaria a viver como um “clochard”, um mendigo.<br />
Para alguns um final de carreira melancólico, mas o Jack afirmava que seria ao menos um<br />
pedinte na Riviera Francesa, região de logradouros finos e elegantes, onde todo ano acontece<br />
o Festival de <strong>Propaganda</strong>, que ele não sabia viver sem.<br />
— Quer situação melhor que a desse mendigo? – defendia – Ali naquelas praias, respirando<br />
arte, cinema, comunicação o tempo todo? E com cada gorjeta gorda!<br />
> Carlos Castelo é escritor e publicitário<br />
Twitter: @castelorama<br />
A ideia acabou mexendo comigo. Ainda estava longe de me aposentar, contudo pensei em<br />
como as coisas se apresentariam a mim num futuro próximo. Jack estava certo, não era de<br />
todo má a ideia de se estabelecer como esmoler na França. Pena que nos deixou tão cedo<br />
e não efetivou o seu sonho para vermos o que aconteceria.<br />
56 propaganda | junho <strong>2016</strong>