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última página<br />
VisualCommunications/iStock<br />
O Brasil<br />
<strong>de</strong> sempre<br />
Stalimir Vieira<br />
Se você participa <strong>de</strong> um evento internacional<br />
sabe quando chegam os latinos,<br />
os africanos, os anglo-saxões, os eslavos,<br />
os nórdicos, os orientais, os árabes, os indianos,<br />
mas não sabe quando chegam os<br />
brasileiros. Os brasileiros po<strong>de</strong>m ser qualquer<br />
um dos anteriores ou todos eles juntos.<br />
Não existe uma cara <strong>de</strong> brasileiro. Não<br />
carregamos um potencial <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
qualquer espécie. Muito menos racial.<br />
Essa in<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> origem, me parece,<br />
torna o brasileiro um <strong>de</strong>sgarrado <strong>de</strong> nascença.<br />
Um solitário vocacional. Um carente por<br />
natureza. Talvez isso explique um pouco,<br />
ainda que <strong>de</strong> maneira<br />
leiga e presunçosa, a<br />
nossa vulnerabilida<strong>de</strong><br />
a qualquer canto <strong>de</strong> sereia.<br />
Como não temos<br />
latente nenhum grito<br />
ligado a alguma ancestralida<strong>de</strong><br />
comum, nos<br />
tornamos presas fáceis<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias exóticas e nos<br />
dispomos a seguir seja<br />
o que for, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
nos permita a ilusão<br />
<strong>de</strong> um senso <strong>de</strong> coletivida<strong>de</strong>.<br />
Lidamos mal<br />
com a <strong>de</strong>mocracia porque <strong>de</strong>mocracia pe<strong>de</strong><br />
uma mínima autossuficiência intelectual<br />
para ser compreendida e <strong>de</strong>fendida. Senão,<br />
é apenas uma “zona”. E é mesmo. O que<br />
torna essa “zona” chamada <strong>de</strong>mocracia<br />
uma expressão magnânima <strong>de</strong> civilida<strong>de</strong> é<br />
a qualida<strong>de</strong> da formação cultural <strong>de</strong> quem<br />
vive nela. Quanto mais livre for alguém,<br />
mais culto <strong>de</strong>ve ser. Não é o nosso caso. Por<br />
isso, <strong>de</strong>mocratas mais lúcidos bradam por<br />
educação, educação, educação.<br />
A verda<strong>de</strong>ira salvaguarda da <strong>de</strong>mocracia<br />
está na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la. Não apenas a necessida<strong>de</strong><br />
prática, mas a consciência plena<br />
<strong>de</strong> seu significado, que aponta ser o único<br />
“Quem está à frente<br />
nas pesQuisas<br />
usa dos mesmos<br />
artifícios, conta com<br />
o vazio intelectual<br />
e se sustenta na<br />
mesma ‘ética’ dos<br />
colonizadores e<br />
dos aventureiros”<br />
caminho aceitável, apesar dos percalços. O<br />
Brasil, país jovem, que ainda convive com<br />
estruturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r arcaicas, que misturam<br />
um comodismo burocrático da conveniência<br />
do estado com o <strong>de</strong>scompromisso<br />
<strong>de</strong> uma colonização bandida, mantém, por<br />
opção, uma gran<strong>de</strong> massa populacional nas<br />
trevas da ignorância. É essa massa, perfeitamente<br />
manobrável, que sustenta as coisas<br />
exatamente como estão.<br />
Não me parece verda<strong>de</strong> que, diante do<br />
quadro político, o Brasil tenha retrocedido.<br />
Não há nada <strong>de</strong> diferente. Quem sabe, uma<br />
outra forma <strong>de</strong> preparar a receita <strong>de</strong> sempre,<br />
mas com os mesmos ingredientes, já<br />
que eles são os únicos <strong>de</strong> que dispomos. O<br />
que varia é a dosagem <strong>de</strong><br />
“consciência” (controlada)<br />
que se procura <strong>de</strong>spertar<br />
nas massas, valendo-se<br />
<strong>de</strong> um momento <strong>de</strong> receio<br />
instintivo, diante <strong>de</strong> uma<br />
crise que po<strong>de</strong> ameaçar<br />
necessida<strong>de</strong>s básicas.<br />
Afinal, se há instalado<br />
(e inútil) um senso comum<br />
<strong>de</strong> que a <strong>de</strong>mocracia<br />
é uma “zona”, bater palma<br />
com força e gritar “a<br />
<strong>de</strong>mocracia é uma zona”<br />
po<strong>de</strong> gerar uma percepção <strong>de</strong> que “o seu<br />
receio faz sentido porque a <strong>de</strong>mocracia é<br />
uma zona”. Não é um raciocínio inteligente<br />
nem faz falta que seja. Basta que <strong>de</strong>sperte<br />
um medo real da realida<strong>de</strong> vivida. O quadro<br />
eleitoral aponta isso claramente. Quem está<br />
à frente nas pesquisas eleitorais usa dos<br />
mesmos artifícios, conta com o mesmo vazio<br />
intelectual e se sustenta na mesma “ética”<br />
dos colonizadores e dos aventureiros.<br />
Foi assim que ocuparam, dominaram e<br />
nunca mais abandonaram o po<strong>de</strong>r. Dê-se o<br />
nome que se dê às nomenclaturas institucionais<br />
sob as quais esse po<strong>de</strong>r se disfarçou<br />
ao longo do tempo.<br />
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing<br />
stalimircom@gmail.com<br />
58 <strong>27</strong> <strong>de</strong> <strong>agosto</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark