edição de 22 de abril de 2019
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mercado<br />
Alê Oliveira<br />
“Nem todo<br />
estereótipo<br />
masculino<br />
é nocivo”<br />
Guilherme Valadares é fundador da<br />
plataforma Papo<strong>de</strong>Homem, que se <strong>de</strong>dica à<br />
transformação da masculinida<strong>de</strong> há 12 anos,<br />
e possui um braço <strong>de</strong> pesquisa chamado<br />
PdH Insights. A masculinida<strong>de</strong> vive um momento<br />
<strong>de</strong> extrema confusão e <strong>de</strong> angústia a respeito do que<br />
significa ser homem hoje, e esta é uma das tendências<br />
apresentadas pelo futurista Rohit Barghava (veja<br />
entrevista na página 28) na edição mais recente <strong>de</strong> seu<br />
livro Non Obvious. Valadares afirma que tanto homens<br />
como mulheres estão confusos. Mas, segundo ele,<br />
abordar o masculino na comunicação está simples:<br />
basta enten<strong>de</strong>r suas dores mais profundas. Veja a<br />
seguir os principais trechos <strong>de</strong>sta entrevista.<br />
Guilherme Valadares: “A publicida<strong>de</strong> povoa parte significativa <strong>de</strong> nosso imaginário”<br />
Claudia Penteado<br />
A plataforma<br />
O Papo<strong>de</strong>Homem nasceu da<br />
solidão, do sentimento <strong>de</strong> não<br />
ser um homem a<strong>de</strong>quado ou suficiente.<br />
Existe esse mito da “bro<strong>de</strong>ragem”<br />
masculina e <strong>de</strong> que os<br />
homens sempre se apoiam, o que<br />
não é verda<strong>de</strong>. É comum vermos<br />
isso em certos contextos, como<br />
nos esportes, nas festas dos mais<br />
jovens e no trabalho. Mas como<br />
falamos pouquíssimo das emoções,<br />
é raro nos ajudarmos no<br />
que realmente importa. Aparentemente<br />
eu não estava sozinho<br />
nessa solidão e me conectei com<br />
uma dúzia <strong>de</strong> outros homens por<br />
meio <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> emails do<br />
Yahoo, todos buscando se ajudar.<br />
Esse punhado logo se transformou<br />
em algumas centenas,<br />
num fórum online mantido por<br />
doações e, dois anos <strong>de</strong>pois, surgiu<br />
o PdH. Traduzo esse período<br />
como uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas<br />
que buscava cultivar uma<br />
vida mais satisfatória e melhores<br />
relações. Isso foi parte <strong>de</strong> nossa<br />
história e nos orienta até hoje.<br />
Confusão e Angústia<br />
Basta olhar pro lado e abrir<br />
nossa escuta para vermos o<br />
quanto estamos, homens e mulheres,<br />
confusos sobre o que se<br />
espera dos homens e das masculinida<strong>de</strong>s<br />
hoje. A maneira como<br />
o masculino tem sido retratado<br />
pela mídia parece tomar cada<br />
vez mais como ponto <strong>de</strong> partida<br />
a suposta noção <strong>de</strong> toxicida<strong>de</strong><br />
inerente dos homens, o que é<br />
um tremendo perigo. É como se<br />
tivéssemos perdido a fé na masculinida<strong>de</strong>.<br />
Eu diria que veremos<br />
uma gran<strong>de</strong> e necessária onda<br />
com movimentos <strong>de</strong> transformação<br />
dos homens e das masculinida<strong>de</strong>s<br />
ganhando mais força,<br />
como uma resposta natural e<br />
bem-vinda ao feminismo. Como<br />
gênero é uma construção relacional<br />
— as mudanças do feminino<br />
afetam o masculino, e vice-<br />
-versa —, não há saída.<br />
Estereótipos<br />
Nem todo estereótipo masculino<br />
é nocivo. Acredito que vale<br />
combater as atitu<strong>de</strong>s problemáticas,<br />
mas sem consi<strong>de</strong>rar que o<br />
masculino como um todo está<br />
adoecido. O processo começa<br />
reconhecendo que somos parte<br />
do problema, assumindo essa<br />
responsabilida<strong>de</strong>. A conversa<br />
não é sobre culpa, é sobre o que<br />
queremos construir para o nosso<br />
futuro, com alegria. Combater os<br />
estereótipos passa por escolher<br />
não agir do modo como sempre<br />
agimos. Reconhecer, refletir, escolher<br />
agir <strong>de</strong> modo diferente e<br />
não perpetuar.<br />
Feminismo<br />
A proposta do feminismo,<br />
como a interpreto, é <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
mais equida<strong>de</strong> entre os gêneros.<br />
Isso não <strong>de</strong>veria tornar a vida dos<br />
homens mais complicada. Homens<br />
se suicidam quase quatro<br />
vezes mais do que as mulheres,<br />
no Brasil, vivem sete anos a menos<br />
e são mais <strong>de</strong> 95% da população<br />
carcerária brasileira, além<br />
<strong>de</strong> possuírem índices alarmantes<br />
<strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pressão, alcoolismo<br />
e uso <strong>de</strong> drogas. Estamos<br />
falando <strong>de</strong> um jeito <strong>de</strong> existir no<br />
mundo que é bastante auto<strong>de</strong>strutivo.<br />
O feminismo nos oferece<br />
a escolha <strong>de</strong> não agir assim.<br />
Publicida<strong>de</strong><br />
A publicida<strong>de</strong> povoa parte<br />
significativa <strong>de</strong> nosso imaginário<br />
coletivo. Não assumir essa<br />
responsabilida<strong>de</strong> é fazer publicida<strong>de</strong><br />
do pior tipo: aquela<br />
interessada apenas em ven<strong>de</strong>r<br />
e totalmente alheia ao mundo.<br />
Essa publicida<strong>de</strong> não enxerga<br />
pessoas, só vê consumidores,<br />
target, clicks, views e ROI. Um<br />
bom caminho para mudarmos<br />
é termos mais mulheres, pessoas<br />
não heterossexuais e pessoas<br />
não brancas li<strong>de</strong>rando agências<br />
e times <strong>de</strong> criação. É bem mais<br />
difícil para os homens no po<strong>de</strong>r<br />
sacarem o que está acontecendo<br />
e voluntariamente abrirem mão<br />
<strong>de</strong> seus espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
Marcas<br />
Natura Homem, Gillette, Axe<br />
e Grupo Boticário são exemplos<br />
<strong>de</strong> marcas que estão fazendo um<br />
esforço digno <strong>de</strong> nota nessa direção.<br />
Não creio que exista rota<br />
livre <strong>de</strong> tropeços, naturalmente.<br />
Mais do que as marcas em si, as<br />
pessoas que as li<strong>de</strong>ram me parecem<br />
cada vez mais acreditar em<br />
uma perspectiva <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>s<br />
mais saudáveis. O caminho<br />
para as marcas talvez seja reconhecer<br />
que a maior parte <strong>de</strong>las<br />
não sabe mais o que está acontecendo<br />
com os homens e per<strong>de</strong>u<br />
a conexão que tinha com eles.<br />
Humilda<strong>de</strong>. Buscando ajuda e<br />
<strong>de</strong>dicando tempo a conhecer o<br />
território das masculinida<strong>de</strong>s<br />
(no plural) com a profundida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>vida — há iniciativas maravilhosas<br />
a uma “googlada” <strong>de</strong><br />
distância. Que as marcas parem<br />
<strong>de</strong> fazer manifestos vazios<br />
do “novo homem” ou do “novo<br />
masculino” após ler o último report<br />
<strong>de</strong> tendências e assistir dois<br />
ou três documentários. Isso não<br />
vai gerar as conexões autênticas<br />
que tanto buscam.<br />
40 <strong>22</strong> <strong>de</strong> <strong>abril</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> - jornal propmark